PARA UMA ESQUERDA SOCIALISTA GRANDE E FORTE
Nós, aderentes do Bloco de Esquerda no Distrito de Setúbal, de origens, profissões, experiências e gerações diferentes, chegados ao BE em distintos momentos, onde depositamos as nossas energias e inteligências, manifestamos preocupação em relação ao actual momento do BE e no quadro do debate interno no rescaldo das últimas eleições, que queremos que seja aberto, despreconceituado e conclusivo, decidimos juntar as nossas vozes na apreciação crítica, mas franca, que aqui se expõe.
1. O eleitorado deslocou à direita, sectores largos expressaram no voto uma lógica de medo e de conformismo; aceitaram como inevitabilidade as medidas anti-populares, recessivas, de pilhagem sobre o Trabalho e de destruição dos direitos sociais impostas por uma troika ao serviço dos interesses do grande capital financeiro e da sua parasitagem especulativa.
O Bloco de Esquerda sofreu uma pesada derrota, recuando para níveis de expressão eleitoral anteriores a 2005. Metade da nossa votação dispersou-se entre a lógica do “voto útil”, a abstenção e o voto em branco e em diferentes partidos, pequenos ou grandes, mesmo à direita.
Neste contexto, é fundamental compreender porque se tornou tão fácil esta volatilidade do nosso eleitorado, o que, do nosso ponto de vista, só pode ser visto e entendido também à luz do modo como nos temos vindo a posicionar e como temos orientado a nossa actividade e a nossa intervenção política.
Nos últimos dois anos o BE revelou perda de iniciativa e capacidade para marcar a agenda política, evidenciando alguma desorientação, que levou a que respondêssemos em questões essenciais de forma reactiva face ao que os grandes partidos de esquerda foram sugerindo ou fazendo. Do incontido, mal calculado e pior concretizado apoio a Manuel Alegre, passando pelo episódio da moção de censura e do encontro com a direcção do PCP, até à não comparência na reunião da troika, tornou-se óbvia a dificuldade do BE em manter uma orientação independente que nos permitisse considerar as correntes que atravessam PS e PCP, mas evitar que ficássemos enleados no universo táctico de cada um deles.
Ziguezagueámos com alguma vertigem entre iniciativas com sectores do PS, seguidas de outras com a direcção do PCP, sem curarmos de modo suficientemente claro da nossa independência política. Nestas oscilações acabámos por favorecer a alienação de todo um capital de confiança de largas camadas da população trabalhadora, nomeadamente da área socialista.
Quando o BE se aproximou do PCP, sem nunca se demarcar dele politicamente, cortámos o diálogo com milhares de trabalhadores que não perceberam ou discordaram do sentido da nossa orientação, o que, objectivamente, reforçou o esquema de sobrevivência do Partido Comunista.
A justa insistência na auditoria à dívida e em particular na necessidade da sua renegociação como tema central da campanha não foi capaz de obstar e inverter esta tendência de irritação e de migração de sectores vastos do eleitorado que tinham confiado em nós; a que o cerco da imprensa e dos “comentadores” da direita ajudou poderosamente.
2. O BE vive um equívoco de estatuto baseado na ambiguidade entre ser um movimento ou um partido político. Após mais de 10 anos de existência não se conseguiu ultrapassar a lógica equilibrante de raiz enquanto fruto do seu carácter inter-grupal, parecendo subestimar que a sua construção se tem vindo a fazer com milhares de aderentes exteriores a essa lógica, que querem um Bloco efectiva e plenamente democrático.
A Comissão Política, enquanto núcleo duro de direcção a partir de onde se reflectem de modo operativo essas relações inter-grupais, tem-se sobreposto à Mesa Nacional, invertendo a relação orgânica e afirmando-se de cima para baixo ao conjunto da organização, decidindo e informando, mas ouvindo pouco os aderentes, solicitando deles sobretudo participação nas acções práticas de campanha eleitoral.
Daqui resultou a tensão histórica entre aqueles que gostariam que o BE tivesse uma estrutura de decisão mais aberta e participada, articulando-se com os movimentos sociais, e a maioria habituada a um esquema muito mais vertical de autoridade, que, ao ter prevalecido, vem obstruindo a participação dos aderentes na definição das orientações mais relevantes fora das convenções, que deveria promover.
Em consequência, as coordenadoras distritais, replicando as tendências representadas na Comissão Política, têm ficado politicamente esvaziadas, predominando nelas um forte pendor administrativo e tarefeiro, abrindo a porta a um funcionamento orgânico burocratizado, desligado da realidade social e cavando o isolamento político e social actual do BE.
Isto está bem reflectido na forma como foi constituída em Setúbal a lista de candidatos a deputados para a Assembleia da República, pretendendo apenas reproduzir a que tinha sido apresentada dois anos antes, sem abrir qualquer diálogo com a base, com movimentos sociais ou com personalidades independentes da vida local e sem preocupações programáticas vincadas, limitando-se o objectivo fundamental à reeleição de dois deputados.
Os tempos que correm deixam saudades da fase ascensional do BE, quando este funcionava como um pólo de atracção para muita gente sem partido ou mesmo de outros partidos e dava uma imagem de irreverência, criatividade e abertura sem igual no panorama político português. Procurámos o nosso espaço e conquistámos influência. Hoje, por muito que nos custe constatar, o Bloco vestiu a farda de partido bem comportado, fazendo do combate parlamentar o centro da sua acção política.
Apesar do seu crescimento, apesar da sua intervenção como organização de implantação nacional, o BE não pode perder a sua marca de água, aquilo que o tornou num partido relevante no panorama nacional.
3. O controlo esmagador e sectário do PCP nas estruturas do movimento operário e sindical e nas autarquias que governa, funciona como uma barreira ao crescimento organizado do BE e no mesmo sentido jogam a nossa fraca implantação noutros movimentos sociais e noutras formas de organização local.
Se tudo isto não é contrariado por uma atenção acrescida à base do Bloco, a sua actividade torna-se quase exclusivamente eleitoral e parlamentar, sempre muito dependente da pressão mediática. Assim, a sua base de sustentação dificilmente deixará de ser como é, muito oscilante e fluida, e as suas estruturas concelhias muito anémicas e precárias, com uma intervenção dispersa e acanhada nos diferentes concelhos, como é bem patente no Distrito de Setúbal.
Houve experiências positivas, é certo, que tiveram efeitos aglutinadores a nível local e ajudaram a construir movimentos importantes, mas que se tornava, e torna, fundamental serem sobretudo sistematizados, de modo a que constituindo património político adquirido, possam ajudar a propulsionar a nossa actividade nos concelhos e no distrito.
E não podemos esquecer que estamos num distrito, cujos concelhos são maioritariamente geridos pelo PCP de forma liberal, pouco ou nada se distinguindo de muitas autarquias governadas pelo PS ou pela direita, pelo que se torna fundamental afirmar mais os eleitos do BE como voz da oposição, como em muitos locais acontece, mas sacudindo noutros quaisquer atitudes que possam confundir-nos com esse “comunismo de mercado” que prolifera no distrito.
Por causa destas especificidades, os erros de orientação pagam-se com perdas drásticas de influência, pois não existem quaisquer mecanismos de amortecimento das quebras de fidelidade do eleitorado.
Assim, entendemos que o BE deve:
a) dar muito maior importância ao trabalho de implantação e enraizamento nos movimentos sociais, no movimento sindical e nas múltiplas formas de intervenção local, para poder construir um outro relacionamento, mais estável e consistente, com os trabalhadores, as populações, a opinião pública.
b) ter uma postura não seguidista e portanto mais crítica e diferenciada em relação ao PCP (sem sectarismos e sem cair em querelas inúteis ou em polémicas estéreis), seja para que este não se reforce automaticamente em todas as convergências que possam surgir, seja para facilitar a disputa das bases ao PS, seja ainda para solidificar a nossa identidade junto das novas camadas de apoiantes.
c) estar particularmente atento às diferenciações que surjam no interior do PS, uma vez que a social-democracia europeia vive momentos de grande crise de identidade e perda de influência após as experiências de governo baseadas na “terceira via”. As recentes derrotas eleitorais, que não são apenas pausas no quadro da rotatividade no poder com os partidos mais conservadores, irão gerar oportunidades de crescimento e de entendimento com correntes de esquerda socialista, cuja recomposição não se confina ao quadro actual.
d) apostar no reforço da democracia interna, na mobilização política dos aderentes e na renovação do seu aparelho, de forma a tornar-se um partido mais democrático e escrutinável. É preciso valorizar a Mesa Nacional, dar mais representatividade e vida política às direcções distritais, torná-las muito mais controláveis pelos plenários distritais de aderentes e dar mais relevância às dinâmicas locais. A tendência para a burocratização e para o rotineirismo dos aparelhos e sectores profissionalizados exigem uma atenção redobrada e escrutinável em matéria de critérios para a sua selecção e estatuto.
4. Nós, subscritores deste documento apelamos à Mesa Nacional do Bloco de Esquerda que assuma a condução do debate agora iniciado, de modo a que:
a) se desenvolva de modo esclarecedor e plural, sem prejuízo das tarefas de intervenção política que se nos colocam,
b) adquira nas suas questões políticas fundamentais uma dimensão pública,
c) possa, para reforço do seu carácter conclusivo, culminar numa ampla e democrática reunião nacional, podendo assumir ou não a forma de Convenção Nacional Extraordinária.
Setúbal, Junho de 2011
Adelino Fortunato (Sesimbra); Albérico Afonso (Setúbal); Alberto Cruz (Barreiro); Alice Brito (Setúbal); Almerinda Teixeira (Almada); Ana Brito Costa (Setúbal); Ana Cristina Sequeira (Setúbal); Ana Lúcia Massas (Almada); Ana Penas (Alcácer do Sal); Ana Pessoa (Setúbal); Ana Santos (Seixal); Ana Sofia Ferreira (Santiago do Cacém); André Martins (Barreiro); António Chora (Moita); António João Sequeira (Setúbal); Antonio Proença (Sesimbra); António Samara (Almada); Bernardes Silva (Almada); Bruno Candeias (Santiago do Cacém); Cândida Esteves (Almada); Carlos Correia (Barreiro); Carlos Macedo (Sesimbra); Dinis Carrilho (Setúbal); Eduardo Grelo (Seixal); Ermelinda Toscano (Almada); Fernando Pinho (Setúbal); Filomena Silva (Almada); Francisco Roque (Santiago do Cacém); Georgette Teixeira (Barreiro); Henrique Guerreiro (Sesimbra); Humberto Candeias (Barreiro); Joaquim Sarmento (Almada); João Afonso (Santiago do Cacém); João Madeira (Santiago do Cacém); Jorge Luz (Sesimbra); Jorge Santana (Santiago do Cacém); José Guerra (Sesimbra); José Ramos dos Santos (Grândola); Luís Filipe Carvalho Caras Altas (Almada); Luís Miguel Pereira (Alcácer do Sal); Luísa Ramos (Setúbal); Manuel Barão (Almada); Maria Emília Gomes (Setúbal); Maria João Sequeira (Almada); Nádia Lopes Penas (Alcácer do Sal); Nuno Gil Correia (Almada); Paula Costa (Barreiro); Rosário Vaz (Barreiro); Pedro dos Reis (Almada); Pedro Santos (Seixal), Rui Alberto (Sesimbra); Samuel Marques (Seixal); Tiago Veiga (Sesimbra); Tília Alves da Silva (Santiago do Cacém); Vanessa Pereira (Sesimbra).