Ricos mas pobres ou... à espera de crescimento económico

(A actualidade, agravada, desta crónica faz-me recuperar o que escrevera em 2007...)

Numa entrevista recente o coordenador de um estudo nacional sobre a pobreza1, apresentou, surpreendido, estes impressionantes números: 40% das famílias pobres têm emprego e outros 30% de famílias pobres recebem pensões de reforma. Surpresa? Talvez, pois quando se fala em pobreza pensa-se nos mais excluídos da sociedade e não propriamente em famílias ditas tradicionais, de casados, viúvos, solteiros, com trabalho ou recebendo pensões...

Praticamente todos temos a percepção que pensões de reforma ou velhice são, em número elevado e crescente, insuficientes para suprir as necessidades mais básicas dos mais idosos, até pela degradação das suas capacidades económicas, fruto da diminuição real do valor das pensões, quando comparadas com os aumentos dos custos dos bens de primeira necessidade e, especialmente, da saúde.

Mas associar pessoas com emprego a situações de pobreza, e numa dimensão tão significativa, pode causar alguma admiração e espanto muitos de nós, menos atentos ao que se passa nas nossas vizinhanças ou com nenhuma vontade de assumir as nossas realidades domésticas.
No entanto, é esta a realidade: o empobrecimento gradual dos trabalhadores por conta de outrém, especialmente quem está a entrar agora no mercado de trabalho ou quem, por muitas e variadas razões, regressa à situação de procura de emprego.

Algumas das causas deste empobrecimento de quem trabalha são muito concretas e definidas:
- O recurso cada vez mais frequente a empresas de trabalho temporário para tarefas permanentes e continuadas - e uma parte importante do salário do trabalhador a ficar nas mãos do intermediário;
- A crescente precariedade das relações laborais reflectida nos recibos verdes e nos contratos a prazo, alguns com prazos de 1 mês sucessivamente renovados até ao limite, e com o Estado a dar o exemplo (no Hospital do Litoral Alentejano a maioria dos técnicos de saúde encontra-se na precariedade dos contratos a prazo de 3 meses renovados por uma vez);
- Os salários cada vez mais baixos e mais distantes da média europeia, principalmente os mais reduzidos. No sector privado os salários mínimos e remunerações poucos superiores a este (500, 600 euros) atingem percentagens assustadoras no global das remunerações, e imagine-se a vida de uma família com 500 euros por mês!...

Não tenhamos ilusões; numa economia de mercado, em que os níveis salariais são consequência da relação directa entre a oferta e a procura de emprego, ou seja: quanto mais pessoas existirem a procurar oportunidades de emprego cada vez mais escassas, tanto menores as remunerações que lhes são propostas, então verifica-se que empresas e Estado tudo farão para manter elevados níveis de desemprego e descredibilizar, naturalmente, fantasias de pleno-emprego, ideal tão nocivo ao crescimento económico em economias capitalistas de mercado.

Para as empresas, mais desemprego possibilita baixas remunerações e poucas condições laborais, reduzindo assim o custo do factor trabalho e aumentando lucros e capitalizações bolsistas.

Para o Estado, mais desemprego (e baixos salários) permite justificar a implementação da flexi-insegurança, e possibilita uma economia nacional atractiva e concorrencial na presente globalização económica, assim como empresas competitivas face a concorrentes directos como são as empresas que operam no extremo oriente, em economias dinâmicas, desenvolvidas e particularmente "sensíveis" no que toca a condições laborais, a questões sociais, a preocupações ambientais...

Contudo as estatísticas mostram-nos que, apesar destes quadros tão sombrios, o crescimento económico ocorre (apesar de muito fraquinho...), o consumo das famílias não se retrai, e temos até alguns salários bem acima da média europeia (gestores de topo de empresas que não são de topo...);

Estará então o nosso problema na criação da riqueza, e precisemos de crescer mais para o país e todos nós sermos mais ricos?... Ou, pelo contrário, será apenas uma questão de distribuição da riqueza?

Regresso à reportagem que referi no início e cito na íntegra a resposta à seguinte questão...
"Que caminho tem seguido a política económica que leva a que existam 40 por cento de pobres que têm trabalho?
- Ou decidimos que vamos crescer primeiro para distribuir depois, ou das várias maneiras de crescer escolhemos a que assegura o crescimento com uma melhor distribuição. Tem-se provado que a primeira não acontece. Ouço-a há 40 anos e estou à espera do dia em que já crescemos o suficiente para distribuir. Há alternativas mas elas não dependem só dos governos, mas dos empresários, dos trabalhadores, da sociedade em geral, do próprio sistema económico" 1.

O desafio presente é, efectivamente, este: a escolha de um modelo económico alternativo que substitua este injusto e bárbaro modelo económico dominado por poucos e causador de tanta pobreza e desigualdade por todo o mundo.

No Bloco de Esquerda esta é uma das nossas prioridades: apresentar e defender políticas e atitudes que nos permitam seguir um outro caminho, um caminho que concilie crescimento económico com uma distribuição da riqueza mais justa e construir um outro modelo económico que vise satisfazer com justiça e equilíbrio as necessidades de todos.

1. Entrevista de Alfredo Bruto da Costa, vice-presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, in: Jornal "Público" de 4/06/2007

Francisco Roque
deputado municipal do B.E. em Santiago do Cacém