Mais Bloco

PARA UMA ESQUERDA SOCIALISTA GRANDE E FORTE

Nós, aderentes do Bloco de Esquerda no Distrito de Setúbal, de origens, profissões, experiências e gerações diferentes, chegados ao BE em distintos momentos, onde depositamos as nossas energias e inteligências, manifestamos preocupação em relação ao actual momento do BE e no quadro do debate interno no rescaldo das últimas eleições, que queremos que seja aberto, despreconceituado e conclusivo, decidimos juntar as nossas vozes na apreciação crítica, mas franca, que aqui se expõe.

1. O eleitorado deslocou à direita, sectores largos expressaram no voto uma lógica de medo e de conformismo; aceitaram como inevitabilidade as medidas anti-populares, recessivas, de pilhagem sobre o Trabalho e de destruição dos direitos sociais impostas por uma troika ao serviço dos interesses do grande capital financeiro e da sua parasitagem especulativa.

O Bloco de Esquerda sofreu uma pesada derrota, recuando para níveis de expressão eleitoral anteriores a 2005. Metade da nossa votação dispersou-se entre a lógica do “voto útil”, a abstenção e o voto em branco e em diferentes partidos, pequenos ou grandes, mesmo à direita.

Neste contexto, é fundamental compreender porque se tornou tão fácil esta volatilidade do nosso eleitorado, o que, do nosso ponto de vista, só pode ser visto e entendido também à luz do modo como nos temos vindo a posicionar e como temos orientado a nossa actividade e a nossa intervenção política.

Nos últimos dois anos o BE revelou perda de iniciativa e capacidade para marcar a agenda política, evidenciando alguma desorientação, que levou a que respondêssemos em questões essenciais de forma reactiva face ao que os grandes partidos de esquerda foram sugerindo ou fazendo. Do incontido, mal calculado e pior concretizado apoio a Manuel Alegre, passando pelo episódio da moção de censura e do encontro com a direcção do PCP, até à não comparência na reunião da troika, tornou-se óbvia a dificuldade do BE em manter uma orientação independente que nos permitisse considerar as correntes que atravessam PS e PCP, mas evitar que ficássemos enleados no universo táctico de cada um deles.

Ziguezagueámos com alguma vertigem entre iniciativas com sectores do PS, seguidas de outras com a direcção do PCP, sem curarmos de modo suficientemente claro da nossa independência política. Nestas oscilações acabámos por favorecer a alienação de todo um capital de confiança de largas camadas da população trabalhadora, nomeadamente da área socialista.

Quando o BE se aproximou do PCP, sem nunca se demarcar dele politicamente, cortámos o diálogo com milhares de trabalhadores que não perceberam ou discordaram do sentido da nossa orientação, o que, objectivamente, reforçou o esquema de sobrevivência do Partido Comunista.

A justa insistência na auditoria à dívida e em particular na necessidade da sua renegociação como tema central da campanha não foi capaz de obstar e inverter esta tendência de irritação e de migração de sectores vastos do eleitorado que tinham confiado em nós; a que o cerco da imprensa e dos “comentadores” da direita ajudou poderosamente.

2. O BE vive um equívoco de estatuto baseado na ambiguidade entre ser um movimento ou um partido político. Após mais de 10 anos de existência não se conseguiu ultrapassar a lógica equilibrante de raiz enquanto fruto do seu carácter inter-grupal, parecendo subestimar que a sua construção se tem vindo a fazer com milhares de aderentes exteriores a essa lógica, que querem um Bloco efectiva e plenamente democrático.

A Comissão Política, enquanto núcleo duro de direcção a partir de onde se reflectem de modo operativo essas relações inter-grupais, tem-se sobreposto à Mesa Nacional, invertendo a relação orgânica e afirmando-se de cima para baixo ao conjunto da organização, decidindo e informando, mas ouvindo pouco os aderentes, solicitando deles sobretudo participação nas acções práticas de campanha eleitoral.

Daqui resultou a tensão histórica entre aqueles que gostariam que o BE tivesse uma estrutura de decisão mais aberta e participada, articulando-se com os movimentos sociais, e a maioria habituada a um esquema muito mais vertical de autoridade, que, ao ter prevalecido, vem obstruindo a participação dos aderentes na definição das orientações mais relevantes fora das convenções, que deveria promover.

Em consequência, as coordenadoras distritais, replicando as tendências representadas na Comissão Política, têm ficado politicamente esvaziadas, predominando nelas um forte pendor administrativo e tarefeiro, abrindo a porta a um funcionamento orgânico burocratizado, desligado da realidade social e cavando o isolamento político e social actual do BE.

Isto está bem reflectido na forma como foi constituída em Setúbal a lista de candidatos a deputados para a Assembleia da República, pretendendo apenas reproduzir a que tinha sido apresentada dois anos antes, sem abrir qualquer diálogo com a base, com movimentos sociais ou com personalidades independentes da vida local e sem preocupações programáticas vincadas, limitando-se o objectivo fundamental à reeleição de dois deputados.

Os tempos que correm deixam saudades da fase ascensional do BE, quando este funcionava como um pólo de atracção para muita gente sem partido ou mesmo de outros partidos e dava uma imagem de irreverência, criatividade e abertura sem igual no panorama político português. Procurámos o nosso espaço e conquistámos influência. Hoje, por muito que nos custe constatar, o Bloco vestiu a farda de partido bem comportado, fazendo do combate parlamentar o centro da sua acção política.

Apesar do seu crescimento, apesar da sua intervenção como organização de implantação nacional, o BE não pode perder a sua marca de água, aquilo que o tornou num partido relevante no panorama nacional.

3. O controlo esmagador e sectário do PCP nas estruturas do movimento operário e sindical e nas autarquias que governa, funciona como uma barreira ao crescimento organizado do BE e no mesmo sentido jogam a nossa fraca implantação noutros movimentos sociais e noutras formas de organização local.

Se tudo isto não é contrariado por uma atenção acrescida à base do Bloco, a sua actividade torna-se quase exclusivamente eleitoral e parlamentar, sempre muito dependente da pressão mediática. Assim, a sua base de sustentação dificilmente deixará de ser como é, muito oscilante e fluida, e as suas estruturas concelhias muito anémicas e precárias, com uma intervenção dispersa e acanhada nos diferentes concelhos, como é bem patente no Distrito de Setúbal.

Houve experiências positivas, é certo, que tiveram efeitos aglutinadores a nível local e ajudaram a construir movimentos importantes, mas que se tornava, e torna, fundamental serem sobretudo sistematizados, de modo a que constituindo património político adquirido, possam ajudar a propulsionar a nossa actividade nos concelhos e no distrito.

E não podemos esquecer que estamos num distrito, cujos concelhos são maioritariamente geridos pelo PCP de forma liberal, pouco ou nada se distinguindo de muitas autarquias governadas pelo PS ou pela direita, pelo que se torna fundamental afirmar mais os eleitos do BE como voz da oposição, como em muitos locais acontece, mas sacudindo noutros quaisquer atitudes que possam confundir-nos com esse “comunismo de mercado” que prolifera no distrito.

Por causa destas especificidades, os erros de orientação pagam-se com perdas drásticas de influência, pois não existem quaisquer mecanismos de amortecimento das quebras de fidelidade do eleitorado.

Assim, entendemos que o BE deve:

a) dar muito maior importância ao trabalho de implantação e enraizamento nos movimentos sociais, no movimento sindical e nas múltiplas formas de intervenção local, para poder construir um outro relacionamento, mais estável e consistente, com os trabalhadores, as populações, a opinião pública.

b) ter uma postura não seguidista e portanto mais crítica e diferenciada em relação ao PCP (sem sectarismos e sem cair em querelas inúteis ou em polémicas estéreis), seja para que este não se reforce automaticamente em todas as convergências que possam surgir, seja para facilitar a disputa das bases ao PS, seja ainda para solidificar a nossa identidade junto das novas camadas de apoiantes.

c) estar particularmente atento às diferenciações que surjam no interior do PS, uma vez que a social-democracia europeia vive momentos de grande crise de identidade e perda de influência após as experiências de governo baseadas na “terceira via”. As recentes derrotas eleitorais, que não são apenas pausas no quadro da rotatividade no poder com os partidos mais conservadores, irão gerar oportunidades de crescimento e de entendimento com correntes de esquerda socialista, cuja recomposição não se confina ao quadro actual.

d) apostar no reforço da democracia interna, na mobilização política dos aderentes e na renovação do seu aparelho, de forma a tornar-se um partido mais democrático e escrutinável. É preciso valorizar a Mesa Nacional, dar mais representatividade e vida política às direcções distritais, torná-las muito mais controláveis pelos plenários distritais de aderentes e dar mais relevância às dinâmicas locais. A tendência para a burocratização e para o rotineirismo dos aparelhos e sectores profissionalizados exigem uma atenção redobrada e escrutinável em matéria de critérios para a sua selecção e estatuto.

4. Nós, subscritores deste documento apelamos à Mesa Nacional do Bloco de Esquerda que assuma a condução do debate agora iniciado, de modo a que:

a) se desenvolva de modo esclarecedor e plural, sem prejuízo das tarefas de intervenção política que se nos colocam,

b) adquira nas suas questões políticas fundamentais uma dimensão pública,

c) possa, para reforço do seu carácter conclusivo, culminar numa ampla e democrática reunião nacional, podendo assumir ou não a forma de Convenção Nacional Extraordinária.

Setúbal, Junho de 2011

Adelino Fortunato (Sesimbra); Albérico Afonso (Setúbal); Alberto Cruz (Barreiro); Alice Brito (Setúbal); Almerinda Teixeira (Almada); Ana Brito Costa (Setúbal); Ana Cristina Sequeira (Setúbal); Ana Lúcia Massas (Almada); Ana Penas (Alcácer do Sal); Ana Pessoa (Setúbal); Ana Santos (Seixal); Ana Sofia Ferreira (Santiago do Cacém); André Martins (Barreiro); António Chora (Moita); António João Sequeira (Setúbal); Antonio Proença (Sesimbra); António Samara (Almada); Bernardes Silva (Almada); Bruno Candeias (Santiago do Cacém); Cândida Esteves (Almada); Carlos Correia (Barreiro); Carlos Macedo (Sesimbra); Dinis Carrilho (Setúbal); Eduardo Grelo (Seixal); Ermelinda Toscano (Almada); Fernando Pinho (Setúbal); Filomena Silva (Almada); Francisco Roque (Santiago do Cacém); Georgette Teixeira (Barreiro); Henrique Guerreiro (Sesimbra); Humberto Candeias (Barreiro); Joaquim Sarmento (Almada); João Afonso (Santiago do Cacém); João Madeira (Santiago do Cacém); Jorge Luz (Sesimbra); Jorge Santana (Santiago do Cacém); José Guerra (Sesimbra); José Ramos dos Santos (Grândola); Luís Filipe Carvalho Caras Altas (Almada); Luís Miguel Pereira (Alcácer do Sal); Luísa Ramos (Setúbal); Manuel Barão (Almada); Maria Emília Gomes (Setúbal); Maria João Sequeira (Almada); Nádia Lopes Penas (Alcácer do Sal); Nuno Gil Correia (Almada); Paula Costa (Barreiro); Rosário Vaz (Barreiro); Pedro dos Reis (Almada); Pedro Santos (Seixal), Rui Alberto (Sesimbra); Samuel Marques (Seixal); Tiago Veiga (Sesimbra); Tília Alves da Silva (Santiago do Cacém); Vanessa Pereira (Sesimbra).

Mudar de rumo ou aprofundar os erros? (Elementos para um Balanço das Legislativas de 05 de Junho de 2011)

Contributo para a discussão sobre situação política - (Mesa Nacional do BE, de 18 de Junho)

As eleições de dia 5 resultaram numa previsível vitória da direita tradicional e numa também previsível derrota de José Sócrates. Resultaram ainda numa derrota histórica do Bloco de Esquerda, previsível apesar da sua dimensão. Os motivos e o tamanho deste recuo motivam um debate sério sobre o rumo estratégico do Bloco.

A vitória do PSD, que com o CDS-PP formará um governo sustentado por uma maioria absoluta, tranquiliza a Troika e a burguesia, que temiam que não surgisse uma maioria que capitaneasse a guerra de austeridade que declararam ao povo português. Ainda assim não temos uma vitória brutal da direita, como nos tempos de Cavaco ou de Durão. O PSD, relativamente a 2009, troca praticamente de votação com o PS, tendo sido transferidos cerca de 500 mil votos de um partido para o outro. Mesmo o CDS não obtém a grande vitória que pretendia. A vitória da direita não é uma vitória tremenda, nem significa uma adesão massiva ao programa neoliberal – tanto que Passos jurou querer manter o Estado Social e Portas disse-se à esquerda deste. Os votos na direita, foram, antes de mais, o meio mais eficaz encontrado pelos eleitores para derrotar Sócrates.

O PS perde 25% dos seus votos de 2009. E perde um milhão de eleitores relativamente a 2005, pagando a factura de 6 anos de austeridade, que culminam com a aplicação dos sucessivos PECs e da convocação do FMI. Este sector do eleitorado que se divorcia do PS iria naturalmente procurar uma alternativa política que lhe garantisse o fim do reinado de Sócrates.

O país virou à direita ou a esquerda preparou a sua derrota?

À esquerda, a CDU mantém o seu eleitorado, até com algumas perdas de votos, mas consegue eleger mais um deputado, descobrindo motivos para cantar vitória. É o Bloco que tem a maior derrota destas eleições. Perde praticamente metade do seu eleitorado e do seu grupo parlamentar, com um decrescimento homogéneo nas principais cidades do país. Para relativizar a derrota tem-se dito que se trata de um retorno a 2005, porém o Bloco tem menos 76 mil votos que nessa data e inclusive o seu grupo parlamentar não esteve longe de ter sido ainda mais reduzido. Uma queda desta dimensão não deve ser relativizada mas compreendida.

A vitória da direita, a derrota do PS e a queda abrupta do Bloco estão relacionadas. Só uma movimentação profunda no país pode explicar esta mudança. Uma visão superficial facilmente encontra resposta: o país virou à direita! Vários camaradas têm explicado que a crise e a intervenção do FMI geraram um clima de medo que prejudicou a esquerda. O problema é que não conseguem explicar que, num país que vira à direita, haja as maiores lutas das últimas décadas, desde as manifestações multitudinárias da CGTP, à Greve Geral e, sobretudo, ao 12 de Março. A teoria da “viragem à direita” tem apenas uma vantagem: fazer crer que a derrota não se deve a erros da esquerda, mas a uma mudança no país que lhe é externa.

Mais que uma viragem a direita, o que tem norteado os trabalhadores e sectores populares é a determinação em derrotar Sócrates. É isso que observamos desde que este começou a governar abertamente contra os trabalhadores. As manifestações de professores e de enfermeiros, as greves dos transportes ou da função pública, as lutas contra os encerramentos de centros de saúde ou contra as portagens foram dando voz a essa resistência. As manifestações da CGTP e a Greve Geral foram as expressões unificadas desse sentimento. O 12 de Março foi o seu auge, uma grande revolta contra as políticas de austeridade cujo rosto era Sócrates. Também nas eleições essa resistência se sentiu. Em 2009 o PS foi derrotado nas europeias e autárquicas e perdeu a maioria absoluta nas legislativas. Já antes, nas presidenciais de 2006, o candidato de Sócrates fica em terceiro e Alegre, que corre por fora, capitaliza, já aí, 1 milhão de votos. O mesmo Alegre, e o Bloco por tabela, pagou em 2011 o preço de ser o candidato de Sócrates

Este divórcio da população com Sócrates significa a perda de 1 milhão de votos do PS de 2005 a 2011. O Bloco detectou este fenómeno e foi em convergir com esse sector que apostou, vendo-o como a base social de uma Esquerda Grande. A aposta era interessante, mas a abordagem escolhida foi errada e, por fim, derrotada no dia 5 de Junho. Na verdade, nunca se disse com quem seria essa Esquerda Grande. Seria o BE sozinho em progresso constante rumo a uns 30% do eleitorado? Seria em unidade com o PS? Com o PCP? Nunca nada se clarificou. Se um dia a unidade era com o PS, na CML e nas presidenciais, noutro dia, simulava-se que seria com o PCP, na famosa reunião com Jerónimo de Sousa. O que ficou de tudo isto? Uma incoerência total e um facto objectivo: a única unidade feita foi com o PS. Pelo meio, houve também um “preconceito de esquerda” face aos escândalos que rodearam José Sócrates, nomeadamente o caso das escutas do “Face Oculta”. O BE, cujo deputado João Semedo era o relator da Comissão de Inquérito destinada a este caso, poderia ter acedido às escutas e terminado – ou abalado seriamente – a governação de Sócrates. Ao defender que esse caso era do âmbito da justiça, e não da política (!), o BE poupou mais uma vez o Governo. Recorde-se que durante todo este período o BE nunca pediu a demissão do primeiro-ministro na sequência de todos estes ‘casos’.

Mas a questão de fundo é que, desde 2009, que o Bloco não apostou em ser a principal ferramenta para a construção de uma esquerda que corresse com Sócrates e o substituísse. Em 2009, na VI Convenção, o Bloco propôs-se a “retirar a maioria absoluta” ao PS, ou seja, propôs um Governo do PS em minoria. De seguida, começa a preparar uma candidatura para a Presidência da República lado-a-lado com Sócrates. Em Janeiro, quando o ódio a Sócrates estava já maduro, viu-se o resultado dessa opção.

O camarada Pedro Filipe Soares, reconhece, nos últimos dias, que o apoio a Alegre esteve ligado à actual derrota (http://esquerda.net/opiniao/criar-ra%C3%ADzes ). Porém culpa Alegre e a sua “reaproximação a Sócrates”, esquecendo-se que essa reaproximação vinha desde quando o poeta pedira, no famoso comício de Coimbra, em vésperas das eleições, a maioria absoluta para o PS, em 2009. A culpa foi do BE, que abdicou de alianças à esquerda do Governo e que não teve pudor em estar ao lado de Sócrates nas eleições presidenciais. A tentativa consecutiva de imputar as culpas a terceiros, mostra apenas a incapacidade em ser auto-crítico.

Não se pode dizer que ninguém tenha avisado desta situação quando na VI Convenção do BE (2009) criticamos a estratégia de pretender somente retirar a maioria absoluta a Sócrates em vez de, logo aí, se começar a construir um pólo à esquerda - com o PCP, sectores do PS em crise com a sua direcção e independentes - que pudesse derrotar o governo de então. Posteriormente, alertámos de novo e tentámos corrigir o erro, solicitando uma Convenção Extraordinária, para se mudar de orientação, reafirmando a necessidade de retirar o apoio a Alegre e alertando que a sua manutenção acarretaria a localização do BE objectivamente ao lado do governo, com todas as consequências que daí adviriam. Tal como veio a acontecer.

Os episódios da reunião com a Troika e da Moção de Censura - os verdadeiros ziguezagues - foram “mal geridos”. Serviram para tentar cobrir de radicalismo a recta final de um percurso em que o BE não se propôs a derrubar Sócrates. Como foram em contramão total da estratégia alegrista, não foram convincentes. Mas não chegam para explicar a derrota nas legislativas.

A conclusão não pode ser outra, de que a negativa do Bloco em se propor como a principal ferramenta para o derrube de Sócrates, construiu durante anos, esta derrota. Para ser essa ferramenta, o Bloco não poderia fazer alianças que abarcassem o governo, como nas Presidenciais, e deveria ter apostado em construir um pólo à esquerda, que teria de passar por uma apelo ao PCP, que se propusesse a ir a votos para derrubar o PS e a direita. Só uma aliança entre BE e PCP daria aqueles que poderiam apoiar a esquerda grande – “os socialistas descontentes” - uma ferramenta que lhes permitisse derrotar Sócrates sem ter de votar à direita.

O sectarismo do BE e do PCP foi castigado nestas eleições. Para muitos eleitores esta esquerda deixou de contar. É caso para dizer: o sectarismo acaba mal. Porque caiu então o BE bem mais do que o PCP? O apoio a Alegre é a principal resposta mas não a única. Durante anos a direcção do BE negou-se a ter uma política para o activismo quotidiano nas empresas e nos bairros. Pelo contrário, virou todo o partido para o parlamento, afastando-se das pessoas. O PCP, pela sua história e pelo seu enraizamento social, paga lentamente a factura dos seus erros, enquanto o Bloco perde muito mais rapidamente a confiança das suas bases. A sensibilidade a que pertencemos sempre apontou esta crítica à actual direcção, as autárquicas de 2009 foram o aviso, estas legislativas a confirmação.

Por um debate sério e democrático, nova Convenção é precisa!

O debate esgrimido até agora tem sido parcial. Os vários dirigentes e ex-dirigentes que têm vindo a público, só se diferenciam num aspecto: há os que defendem a inexistência de erros no percurso do BE e outros, que como Daniel Oliveira, que acham que o BE deveria ter estado ainda mais próximo do PS.

Os textos que circulam traçam todos a mesma linha recta, anunciando um “debate interno” e logo as suas conclusões, não vá o debate tecê-las! A política que a direcção levou à recente Convenção, tal como denunciámos então, trazia no bojo a repetição da estratégia das presidenciais, em vista de uma futura governação. Jorge Costa deixa antever isso no seu texto (http://esquerda.net/opiniao/linha-%C3%A9-recta), ao relembrar que em Convenção foi decidido manter a “cultura unitária de diálogo” que esteve por trás do apoio a Alegre. Mas o camarada adverte: isto sem “ilusões num “outro PS” que não existe”. De facto, também nas presidenciais estivemos não ao lado de “outro PS”, mas do PS neoliberal de Sócrates. Mudada a liderança do PS, permanecerão iguais tanto o PS como a estratégia do BE.

Mais graves são as declarações de Fernando Rosas em nome da Comissão Política. Além de, previamente à Mesa Nacional, a Comissão Política declarar a inexistência de Convenção e negar a assunção de quaisquer erros, Rosas anuncia o único elemento de balanço que servirá para o futuro. Diz o camarada que uma aliança à esquerda ficou “inviabilizada pelo PS que alinhou na negociação com a troika”. Ou seja, não foram o PCP e o BE, que escolheram ir cada um “na sua bicicleta” os culpados pela derrota da esquerda, mas o PS que não se quis aliar ao BE. Esta consideração demonstra três coisas simples. Uma, que a “cultura unitária de diálogo” que a direcção do BE defendia chegava até à possibilidade de governar ao lado do partido dos PEC’s, o problema foi só a Troika. Outra, que o horizonte da Comissão Política para próximas legislativas inclui um Governo conjunto do BE e do PS. Por fim, que toda a guerra truculenta que a Comissão Política tem movido aos seus críticos mais moderados – como Rui Tavares ou Daniel Oliveira - é inócua, dado que no essencial estão de acordo.

Quem pode não estar de acordo – tanto com o balanço superficial das eleições como com a insistência no caminho que nos trouxe aqui – são os bloquistas. A Comissão Política anunciou que será feito um debate interno, sem Convenção, “como sempre”. Os bloquistas sabem bem que o hábito de “sempre” desta Comissão Política é o de não fazer debates sérios, sobretudo após as derrotas. Assim o foi com as Autárquicas e com as Presidenciais. Por isso propomos uma nova Convenção extraordinária ou, em alternativa, a antecipação da Convenção ordinária, o mais tardar no primeiro trimestre de 2012. Uma Convenção que não se limite a ser um comício para a TV e que faça balanço destas eleições é essencial para rearmar politicamente o BE.

Por fim, o Bloco deve aproveitar o momento e fazer das fraquezas forças novas. Por isso deve dar passos no sentido de uma nova política de alianças, norteada pela resistência – no parlamento e nas ruas – à política da troika. Para isso deve preparar um Congresso das Esquerdas, para o qual convide activistas, sindicalistas e independentes que se opõem ao plano da Troika, tal como os partidos que partilham desta agenda, como o PCP. Este Congresso prepararia uma plataforma de combate a este novo Governo e lançaria as bases para um Governo de Esquerda que o substituísse. Esta é a única política de alianças que não retoma os erros que ditaram a derrota eleitoral.

11/06/2011

Assinam, os membros da Mesa Nacional:
Gil Garcia (Amadora),
João Pascoal (Lisboa),
Cristina Portella (Lisboa),
André Pestana (Oeiras),
Marta Luz (Lisboa),
Tiago Castelhano (Amadora),
Manuel Afonso (Coimbra),
Joana Machado (Braga),
João Lima (Olhão),
Gabriela Mota Vieira (Açores)

O membro da Comissão de Direitos:
Eduardo Henriques (Almada).

Reflexão de Aderentes de Santiago do Cacém

Texto apresentado no Plenário Distrital de Setúbal,
no dia 2 de Julho de 2011

Nós, aderentes de Santiago do Cacém, sentimos ter, para além da necessidade, a obrigação de partilhar convosco algumas das preocupações que sentimos em relação ao momento presente do Bloco de Esquerda.
Assim, e como resultado das discussões fraternas e frontais que temos vindo a realizar em Santiago do Cacém, desde o último acto eleitoral, apresentamos em síntese as nossas reflexões colectivas:

1. Desde 2009 que o Bloco não tem parado um instante que seja; entre a preparação dos vários actos eleitorais que ocorreram em tão curto período e os intensos momentos de luta política, pouca tem sido a disponibilidade de muitos de nós para concretizar, em discussão, as insatisfações e as frustrações que temos sentido:
- as limitações de uma estrutura invertida que não consegue alargar a base, o deficit de participação democrática, as decisões centralizadas e verticalmente transmitidas, a institucionalização de uma nomenklatura funcional, a cristalização da influência tripartidária.

2. Chegamos a 2011 e, nas eleições presidenciais, confrontamo-nos com duas faces de uma moeda da dura realidade:
- A nossa ingenuidade política que nos atira para um candidato e uma campanha de consequências devastadoras para o Bloco e para a Esquerda;
- A perda enorme de capacidade de mobilização de apoiantes e aderentes, visível na transferência significativa de votos para outros candidatos e na abstenção, e mais preocupante ainda pela confirmação de uma incapacidade sentida já na preparação das eleições autárquicas.
Era imperativo, na nossa opinião, ter acontecido, já nessa data, uma reflexão sobre as consequências para o Bloco e para a Esquerda, bem como agir para recuperar a confiança política no Bloco que muitos aderentes e simpatizantes perderam.
Mas nada aconteceu; apenas discursos amargurados e ressabiados e fugiu-se, em grande velocidade, de discutir e questionar caminhos e opções.

3. Logo após, surge a moção de censura - o que dois dias antes não tinha sentido político, dois dias depois é anunciado ao país. A moção ocultada à Mesa Nacional para não estragar a surpresa e a oportunidade de trocar as voltas ao PCP. Para muitos de nós, aderentes e apoiantes, será a moção da rasteira e do truque...
O incómodo é geral e inconsistentes e tergiversantes as explicações dadas, bem como reveladora a forma como foi debatida tão importante decisão política nas estruturas do Bloco.

4. Depois da rasteira política surge o mediático anúncio da reunião com o PCP e não só é difícil compreender esta abrupta mudança, como temos natural dificuldade em encontrar coerência no rumo seguido.

5. Em período pré-eleitoral, realizámos uma Convenção e, não duvidem, as nossas críticas e preocupações ficaram adiadas, pois importou prepararmo-nos para a luta política e, com o necessário pragmatismo, validarmos uma convenção que foi, objectivamente, um momento da campanha eleitoral.
De facto, não seria esta a convenção para discutir o Bloco!

6. Dos resultados pensamos que também se devem
- em parte, a uma conjuntura desfavorável e à percepção de muitos eleitores de que o voto no Bloco seria um voto inútil,
- noutra parte deveu-se a erros próprios e opções questionáveis, como foi o caso da ‘não reunião’ com a troika ou do apagamento de muitas propostas que o Bloco defendera no passado,
- mas também à incapacidade tida em resgatar a confiança que muitos nos deram, que perdemos nestes dois anos e, com maior gravidade, desde as eleições presidenciais.

7. Temos tempo agora para discutir aberta e frontalmente e devemos fazê-lo;
É até nossa obrigação dizer que:
· Lamentamos não ouvir nunca a assunção pública de um eventual erro, bem como a falta de humildade política manifestada por dirigentes do Bloco - Teria sido assim tão difícil admitir devolver a definição de caminhos e políticas aos aderentes após tão pesada derrota?
· Entristecem-nos, sobremaneira, as reacções de dirigentes e as atitudes por parte de alguns de nós em relação às vozes críticas e discordantes, qual expediente de fuga para nada se discutir, encontrando desde logo 'bodes expiatórios' e ‘quem não é por nós...’
· Receamos a inutilidade final de toda esta discussão, quando constatamos que numa reunião da coordenadora distrital se ocupa um tempo imenso a discutir os nomes de quem diverge - qual preparatória acção de 'caça às bruxas' - sem se discutirem as reais causas de se terem tido resultados eleitorais inferiores aos obtidos em 2005;
· Sentimos enorme perplexidade quando lemos uma resolução da Mesa que não expressa algumas das preocupações que foram, inclusivé, apresentadas em reunião prévia da coordenadora distrital, mas sobretudo que condiciona a discussão que se pretende aberta, quando, por exemplo, conclui e fecha eventuais polémicas sobre as presidenciais e a moção de censura;
· Ficamos incomodados quando se justificam resultados com a falta de esclarecimento ou as dificuldades de compreensão dos eleitores, como se, em 2 anos, aqueles que votaram em nós tivessem todos sofrido de uma doença cognitiva;
· Não compreendemos como pode o Bloco dinamizar e participar num debate na Esquerda, livre, alargado e sem sectarismos, quando a discussão interna é tão fortemente condicionada com as intervenções de dirigentes ou com a resolução da Mesa, ou quando é tão sectária a reacção às opiniões discordantes. Tão mais difícil é ouvir os outros quando apenas contam as certezas que temos dentro de nós…
· Lamentamos esta cristalização funcional do Bloco num centralismo dito democrático, onde as estruturas dirigentes intermédias são instrumentos de transmissão vertical de tarefas e quem as integra tem a responsabilidade de instruir e munir os núcleos e as bases com directivas e argumentos de discussão política;
· Sentimos especial desilusão quando sabemos que decisões são tomadas e nomes escolhidos nas estruturas dos partidos fundadores - na pressuposta defesa de equilíbrios tripartidários - antes mesmo de serem discutidos nas estruturas do Bloco, condicionando assim a democracia interna e a representatividade dos aderentes e apoiantes (a maioria?), que nada têm a ver com UDP, PSR ou Política XXI;
· Consideramos ser este o momento para discutir e clarificar - temos o tempo para fazê-lo. É imprescindível que o façamos.
Objectivo prioritário que devemos ter a médio-prazo é inverter esta sangria de apoiantes e resgatar a sua confiança e a confiança dos muitos aderentes que estão zangados com o Bloco, mas para tal é necessária clarificação. Que deverá resultar da discussão aberta a realizar-se dentro e fora do Bloco, com aderentes e apoiantes. Clareza na assunção de convicções, de práticas, de estruturas. Uma clarificação que os partidos devem igualmente assumir: se pretendem que o Bloco continue a ser uma plataforma de coligação UDP/PSR/PolíticaXXI, com a manutenção de um status-quo de equilíbrios que desilude e afasta independentes, ou se o libertam, para que, em efectiva plena-maioridade e sem estar agrilhoado a sectarismos e tacticismos politico-partidários, o Bloco de Esquerda realize uma plural convergência de gentes de Esquerda, de todas as Esquerdas.

Santiago do Cacém, Junho de 2011