Afinal não aconteceu nada...

A gravidade do momento actual do país e do mundo exige luta, e nada mais importa ou interessa; Desenganem-se descontentes, desiludidos ou críticos... Tenham paciência e aguardem, sossegados, pela convenção lá para o fim do ano que vem, ou então vão-se embora como tantos outros que o já fizeram, aderentes que o deixaram de ser ou apoiantes que se arrependeram...

E não venham novamente com essas hitórias do centralismo democrático ou da numenklatura burocrática, ou das tácitas atribuições paritárias de lugares pelos partidos da troika (UDP, PSR PXXI), ou de condicionamentos da democracia em assembleias e convenções, ou das incoerências e incongruências, fugas para a frente e inexplicações... - Não passou já à hitória o Manuel Alegre e a moção de censura mais a finta ao PCP... e a reunião com o PCP, e...

Porque não fazem como os outros? Começem a contar espingardas e preparem-se para a luta! Desafiem a corrente maioritária, compitam com as correntes divergentes... Ou acham que não vale a pena? Que a estrutura não se alterará e a práxis política do Bloco manter-se-á identica, mesmo que sejam outros a dirigir? Ou talvez também pensem que afinal, do projecto de um partido novo de esquerda socialista, o Bloco revelou-se, sobretudo, numa coligação dos 3 partidos de diferentes correntes comunistas e pouco receptiva a pessoas desalinhadas mas interventivas ...

Afinal não aconteceu nada... e inoportuno é o questionamento da prática política do Bloco e a exigência de respostas às críticas e questões colocadas por tantos nestes últimos meses. A Mesa resolveu, o rumo está traçado e as tarefas definidas; É hora de luta e de trabalho político e nisto parecem estar de acordo as várias correntes que preparam já listas e moções para as próximas eleições distritais e convenção. O acerto do rumo, a validade das propostas, o processo de definição e atribuição de tarefas discutem-se depois; Agora importa é apresentar moções, requerimentos e perguntas, estar na rua, nas comissões de trabalhadores e sindicatos, liderar associações locais, produzir comunicados de imprensa, realizar conferências e debates...

Quando irá o Bloco parar um bocadinho e reflectir-se e perceber porque são tantos os que partiram desiludidos, tristes, zangados... e tentar resgatar a credibilidade politica por forma a estancar tamanha sangria de aderentes e apoiantes... Receio que, por tão preenchida agenda política, faltará oportunidade para tal.

Francisco Roque

Mais Bloco

PARA UMA ESQUERDA SOCIALISTA GRANDE E FORTE

Nós, aderentes do Bloco de Esquerda no Distrito de Setúbal, de origens, profissões, experiências e gerações diferentes, chegados ao BE em distintos momentos, onde depositamos as nossas energias e inteligências, manifestamos preocupação em relação ao actual momento do BE e no quadro do debate interno no rescaldo das últimas eleições, que queremos que seja aberto, despreconceituado e conclusivo, decidimos juntar as nossas vozes na apreciação crítica, mas franca, que aqui se expõe.

1. O eleitorado deslocou à direita, sectores largos expressaram no voto uma lógica de medo e de conformismo; aceitaram como inevitabilidade as medidas anti-populares, recessivas, de pilhagem sobre o Trabalho e de destruição dos direitos sociais impostas por uma troika ao serviço dos interesses do grande capital financeiro e da sua parasitagem especulativa.

O Bloco de Esquerda sofreu uma pesada derrota, recuando para níveis de expressão eleitoral anteriores a 2005. Metade da nossa votação dispersou-se entre a lógica do “voto útil”, a abstenção e o voto em branco e em diferentes partidos, pequenos ou grandes, mesmo à direita.

Neste contexto, é fundamental compreender porque se tornou tão fácil esta volatilidade do nosso eleitorado, o que, do nosso ponto de vista, só pode ser visto e entendido também à luz do modo como nos temos vindo a posicionar e como temos orientado a nossa actividade e a nossa intervenção política.

Nos últimos dois anos o BE revelou perda de iniciativa e capacidade para marcar a agenda política, evidenciando alguma desorientação, que levou a que respondêssemos em questões essenciais de forma reactiva face ao que os grandes partidos de esquerda foram sugerindo ou fazendo. Do incontido, mal calculado e pior concretizado apoio a Manuel Alegre, passando pelo episódio da moção de censura e do encontro com a direcção do PCP, até à não comparência na reunião da troika, tornou-se óbvia a dificuldade do BE em manter uma orientação independente que nos permitisse considerar as correntes que atravessam PS e PCP, mas evitar que ficássemos enleados no universo táctico de cada um deles.

Ziguezagueámos com alguma vertigem entre iniciativas com sectores do PS, seguidas de outras com a direcção do PCP, sem curarmos de modo suficientemente claro da nossa independência política. Nestas oscilações acabámos por favorecer a alienação de todo um capital de confiança de largas camadas da população trabalhadora, nomeadamente da área socialista.

Quando o BE se aproximou do PCP, sem nunca se demarcar dele politicamente, cortámos o diálogo com milhares de trabalhadores que não perceberam ou discordaram do sentido da nossa orientação, o que, objectivamente, reforçou o esquema de sobrevivência do Partido Comunista.

A justa insistência na auditoria à dívida e em particular na necessidade da sua renegociação como tema central da campanha não foi capaz de obstar e inverter esta tendência de irritação e de migração de sectores vastos do eleitorado que tinham confiado em nós; a que o cerco da imprensa e dos “comentadores” da direita ajudou poderosamente.

2. O BE vive um equívoco de estatuto baseado na ambiguidade entre ser um movimento ou um partido político. Após mais de 10 anos de existência não se conseguiu ultrapassar a lógica equilibrante de raiz enquanto fruto do seu carácter inter-grupal, parecendo subestimar que a sua construção se tem vindo a fazer com milhares de aderentes exteriores a essa lógica, que querem um Bloco efectiva e plenamente democrático.

A Comissão Política, enquanto núcleo duro de direcção a partir de onde se reflectem de modo operativo essas relações inter-grupais, tem-se sobreposto à Mesa Nacional, invertendo a relação orgânica e afirmando-se de cima para baixo ao conjunto da organização, decidindo e informando, mas ouvindo pouco os aderentes, solicitando deles sobretudo participação nas acções práticas de campanha eleitoral.

Daqui resultou a tensão histórica entre aqueles que gostariam que o BE tivesse uma estrutura de decisão mais aberta e participada, articulando-se com os movimentos sociais, e a maioria habituada a um esquema muito mais vertical de autoridade, que, ao ter prevalecido, vem obstruindo a participação dos aderentes na definição das orientações mais relevantes fora das convenções, que deveria promover.

Em consequência, as coordenadoras distritais, replicando as tendências representadas na Comissão Política, têm ficado politicamente esvaziadas, predominando nelas um forte pendor administrativo e tarefeiro, abrindo a porta a um funcionamento orgânico burocratizado, desligado da realidade social e cavando o isolamento político e social actual do BE.

Isto está bem reflectido na forma como foi constituída em Setúbal a lista de candidatos a deputados para a Assembleia da República, pretendendo apenas reproduzir a que tinha sido apresentada dois anos antes, sem abrir qualquer diálogo com a base, com movimentos sociais ou com personalidades independentes da vida local e sem preocupações programáticas vincadas, limitando-se o objectivo fundamental à reeleição de dois deputados.

Os tempos que correm deixam saudades da fase ascensional do BE, quando este funcionava como um pólo de atracção para muita gente sem partido ou mesmo de outros partidos e dava uma imagem de irreverência, criatividade e abertura sem igual no panorama político português. Procurámos o nosso espaço e conquistámos influência. Hoje, por muito que nos custe constatar, o Bloco vestiu a farda de partido bem comportado, fazendo do combate parlamentar o centro da sua acção política.

Apesar do seu crescimento, apesar da sua intervenção como organização de implantação nacional, o BE não pode perder a sua marca de água, aquilo que o tornou num partido relevante no panorama nacional.

3. O controlo esmagador e sectário do PCP nas estruturas do movimento operário e sindical e nas autarquias que governa, funciona como uma barreira ao crescimento organizado do BE e no mesmo sentido jogam a nossa fraca implantação noutros movimentos sociais e noutras formas de organização local.

Se tudo isto não é contrariado por uma atenção acrescida à base do Bloco, a sua actividade torna-se quase exclusivamente eleitoral e parlamentar, sempre muito dependente da pressão mediática. Assim, a sua base de sustentação dificilmente deixará de ser como é, muito oscilante e fluida, e as suas estruturas concelhias muito anémicas e precárias, com uma intervenção dispersa e acanhada nos diferentes concelhos, como é bem patente no Distrito de Setúbal.

Houve experiências positivas, é certo, que tiveram efeitos aglutinadores a nível local e ajudaram a construir movimentos importantes, mas que se tornava, e torna, fundamental serem sobretudo sistematizados, de modo a que constituindo património político adquirido, possam ajudar a propulsionar a nossa actividade nos concelhos e no distrito.

E não podemos esquecer que estamos num distrito, cujos concelhos são maioritariamente geridos pelo PCP de forma liberal, pouco ou nada se distinguindo de muitas autarquias governadas pelo PS ou pela direita, pelo que se torna fundamental afirmar mais os eleitos do BE como voz da oposição, como em muitos locais acontece, mas sacudindo noutros quaisquer atitudes que possam confundir-nos com esse “comunismo de mercado” que prolifera no distrito.

Por causa destas especificidades, os erros de orientação pagam-se com perdas drásticas de influência, pois não existem quaisquer mecanismos de amortecimento das quebras de fidelidade do eleitorado.

Assim, entendemos que o BE deve:

a) dar muito maior importância ao trabalho de implantação e enraizamento nos movimentos sociais, no movimento sindical e nas múltiplas formas de intervenção local, para poder construir um outro relacionamento, mais estável e consistente, com os trabalhadores, as populações, a opinião pública.

b) ter uma postura não seguidista e portanto mais crítica e diferenciada em relação ao PCP (sem sectarismos e sem cair em querelas inúteis ou em polémicas estéreis), seja para que este não se reforce automaticamente em todas as convergências que possam surgir, seja para facilitar a disputa das bases ao PS, seja ainda para solidificar a nossa identidade junto das novas camadas de apoiantes.

c) estar particularmente atento às diferenciações que surjam no interior do PS, uma vez que a social-democracia europeia vive momentos de grande crise de identidade e perda de influência após as experiências de governo baseadas na “terceira via”. As recentes derrotas eleitorais, que não são apenas pausas no quadro da rotatividade no poder com os partidos mais conservadores, irão gerar oportunidades de crescimento e de entendimento com correntes de esquerda socialista, cuja recomposição não se confina ao quadro actual.

d) apostar no reforço da democracia interna, na mobilização política dos aderentes e na renovação do seu aparelho, de forma a tornar-se um partido mais democrático e escrutinável. É preciso valorizar a Mesa Nacional, dar mais representatividade e vida política às direcções distritais, torná-las muito mais controláveis pelos plenários distritais de aderentes e dar mais relevância às dinâmicas locais. A tendência para a burocratização e para o rotineirismo dos aparelhos e sectores profissionalizados exigem uma atenção redobrada e escrutinável em matéria de critérios para a sua selecção e estatuto.

4. Nós, subscritores deste documento apelamos à Mesa Nacional do Bloco de Esquerda que assuma a condução do debate agora iniciado, de modo a que:

a) se desenvolva de modo esclarecedor e plural, sem prejuízo das tarefas de intervenção política que se nos colocam,

b) adquira nas suas questões políticas fundamentais uma dimensão pública,

c) possa, para reforço do seu carácter conclusivo, culminar numa ampla e democrática reunião nacional, podendo assumir ou não a forma de Convenção Nacional Extraordinária.

Setúbal, Junho de 2011

Adelino Fortunato (Sesimbra); Albérico Afonso (Setúbal); Alberto Cruz (Barreiro); Alice Brito (Setúbal); Almerinda Teixeira (Almada); Ana Brito Costa (Setúbal); Ana Cristina Sequeira (Setúbal); Ana Lúcia Massas (Almada); Ana Penas (Alcácer do Sal); Ana Pessoa (Setúbal); Ana Santos (Seixal); Ana Sofia Ferreira (Santiago do Cacém); André Martins (Barreiro); António Chora (Moita); António João Sequeira (Setúbal); Antonio Proença (Sesimbra); António Samara (Almada); Bernardes Silva (Almada); Bruno Candeias (Santiago do Cacém); Cândida Esteves (Almada); Carlos Correia (Barreiro); Carlos Macedo (Sesimbra); Dinis Carrilho (Setúbal); Eduardo Grelo (Seixal); Ermelinda Toscano (Almada); Fernando Pinho (Setúbal); Filomena Silva (Almada); Francisco Roque (Santiago do Cacém); Georgette Teixeira (Barreiro); Henrique Guerreiro (Sesimbra); Humberto Candeias (Barreiro); Joaquim Sarmento (Almada); João Afonso (Santiago do Cacém); João Madeira (Santiago do Cacém); Jorge Luz (Sesimbra); Jorge Santana (Santiago do Cacém); José Guerra (Sesimbra); José Ramos dos Santos (Grândola); Luís Filipe Carvalho Caras Altas (Almada); Luís Miguel Pereira (Alcácer do Sal); Luísa Ramos (Setúbal); Manuel Barão (Almada); Maria Emília Gomes (Setúbal); Maria João Sequeira (Almada); Nádia Lopes Penas (Alcácer do Sal); Nuno Gil Correia (Almada); Paula Costa (Barreiro); Rosário Vaz (Barreiro); Pedro dos Reis (Almada); Pedro Santos (Seixal), Rui Alberto (Sesimbra); Samuel Marques (Seixal); Tiago Veiga (Sesimbra); Tília Alves da Silva (Santiago do Cacém); Vanessa Pereira (Sesimbra).

Mudar de rumo ou aprofundar os erros? (Elementos para um Balanço das Legislativas de 05 de Junho de 2011)

Contributo para a discussão sobre situação política - (Mesa Nacional do BE, de 18 de Junho)

As eleições de dia 5 resultaram numa previsível vitória da direita tradicional e numa também previsível derrota de José Sócrates. Resultaram ainda numa derrota histórica do Bloco de Esquerda, previsível apesar da sua dimensão. Os motivos e o tamanho deste recuo motivam um debate sério sobre o rumo estratégico do Bloco.

A vitória do PSD, que com o CDS-PP formará um governo sustentado por uma maioria absoluta, tranquiliza a Troika e a burguesia, que temiam que não surgisse uma maioria que capitaneasse a guerra de austeridade que declararam ao povo português. Ainda assim não temos uma vitória brutal da direita, como nos tempos de Cavaco ou de Durão. O PSD, relativamente a 2009, troca praticamente de votação com o PS, tendo sido transferidos cerca de 500 mil votos de um partido para o outro. Mesmo o CDS não obtém a grande vitória que pretendia. A vitória da direita não é uma vitória tremenda, nem significa uma adesão massiva ao programa neoliberal – tanto que Passos jurou querer manter o Estado Social e Portas disse-se à esquerda deste. Os votos na direita, foram, antes de mais, o meio mais eficaz encontrado pelos eleitores para derrotar Sócrates.

O PS perde 25% dos seus votos de 2009. E perde um milhão de eleitores relativamente a 2005, pagando a factura de 6 anos de austeridade, que culminam com a aplicação dos sucessivos PECs e da convocação do FMI. Este sector do eleitorado que se divorcia do PS iria naturalmente procurar uma alternativa política que lhe garantisse o fim do reinado de Sócrates.

O país virou à direita ou a esquerda preparou a sua derrota?

À esquerda, a CDU mantém o seu eleitorado, até com algumas perdas de votos, mas consegue eleger mais um deputado, descobrindo motivos para cantar vitória. É o Bloco que tem a maior derrota destas eleições. Perde praticamente metade do seu eleitorado e do seu grupo parlamentar, com um decrescimento homogéneo nas principais cidades do país. Para relativizar a derrota tem-se dito que se trata de um retorno a 2005, porém o Bloco tem menos 76 mil votos que nessa data e inclusive o seu grupo parlamentar não esteve longe de ter sido ainda mais reduzido. Uma queda desta dimensão não deve ser relativizada mas compreendida.

A vitória da direita, a derrota do PS e a queda abrupta do Bloco estão relacionadas. Só uma movimentação profunda no país pode explicar esta mudança. Uma visão superficial facilmente encontra resposta: o país virou à direita! Vários camaradas têm explicado que a crise e a intervenção do FMI geraram um clima de medo que prejudicou a esquerda. O problema é que não conseguem explicar que, num país que vira à direita, haja as maiores lutas das últimas décadas, desde as manifestações multitudinárias da CGTP, à Greve Geral e, sobretudo, ao 12 de Março. A teoria da “viragem à direita” tem apenas uma vantagem: fazer crer que a derrota não se deve a erros da esquerda, mas a uma mudança no país que lhe é externa.

Mais que uma viragem a direita, o que tem norteado os trabalhadores e sectores populares é a determinação em derrotar Sócrates. É isso que observamos desde que este começou a governar abertamente contra os trabalhadores. As manifestações de professores e de enfermeiros, as greves dos transportes ou da função pública, as lutas contra os encerramentos de centros de saúde ou contra as portagens foram dando voz a essa resistência. As manifestações da CGTP e a Greve Geral foram as expressões unificadas desse sentimento. O 12 de Março foi o seu auge, uma grande revolta contra as políticas de austeridade cujo rosto era Sócrates. Também nas eleições essa resistência se sentiu. Em 2009 o PS foi derrotado nas europeias e autárquicas e perdeu a maioria absoluta nas legislativas. Já antes, nas presidenciais de 2006, o candidato de Sócrates fica em terceiro e Alegre, que corre por fora, capitaliza, já aí, 1 milhão de votos. O mesmo Alegre, e o Bloco por tabela, pagou em 2011 o preço de ser o candidato de Sócrates

Este divórcio da população com Sócrates significa a perda de 1 milhão de votos do PS de 2005 a 2011. O Bloco detectou este fenómeno e foi em convergir com esse sector que apostou, vendo-o como a base social de uma Esquerda Grande. A aposta era interessante, mas a abordagem escolhida foi errada e, por fim, derrotada no dia 5 de Junho. Na verdade, nunca se disse com quem seria essa Esquerda Grande. Seria o BE sozinho em progresso constante rumo a uns 30% do eleitorado? Seria em unidade com o PS? Com o PCP? Nunca nada se clarificou. Se um dia a unidade era com o PS, na CML e nas presidenciais, noutro dia, simulava-se que seria com o PCP, na famosa reunião com Jerónimo de Sousa. O que ficou de tudo isto? Uma incoerência total e um facto objectivo: a única unidade feita foi com o PS. Pelo meio, houve também um “preconceito de esquerda” face aos escândalos que rodearam José Sócrates, nomeadamente o caso das escutas do “Face Oculta”. O BE, cujo deputado João Semedo era o relator da Comissão de Inquérito destinada a este caso, poderia ter acedido às escutas e terminado – ou abalado seriamente – a governação de Sócrates. Ao defender que esse caso era do âmbito da justiça, e não da política (!), o BE poupou mais uma vez o Governo. Recorde-se que durante todo este período o BE nunca pediu a demissão do primeiro-ministro na sequência de todos estes ‘casos’.

Mas a questão de fundo é que, desde 2009, que o Bloco não apostou em ser a principal ferramenta para a construção de uma esquerda que corresse com Sócrates e o substituísse. Em 2009, na VI Convenção, o Bloco propôs-se a “retirar a maioria absoluta” ao PS, ou seja, propôs um Governo do PS em minoria. De seguida, começa a preparar uma candidatura para a Presidência da República lado-a-lado com Sócrates. Em Janeiro, quando o ódio a Sócrates estava já maduro, viu-se o resultado dessa opção.

O camarada Pedro Filipe Soares, reconhece, nos últimos dias, que o apoio a Alegre esteve ligado à actual derrota (http://esquerda.net/opiniao/criar-ra%C3%ADzes ). Porém culpa Alegre e a sua “reaproximação a Sócrates”, esquecendo-se que essa reaproximação vinha desde quando o poeta pedira, no famoso comício de Coimbra, em vésperas das eleições, a maioria absoluta para o PS, em 2009. A culpa foi do BE, que abdicou de alianças à esquerda do Governo e que não teve pudor em estar ao lado de Sócrates nas eleições presidenciais. A tentativa consecutiva de imputar as culpas a terceiros, mostra apenas a incapacidade em ser auto-crítico.

Não se pode dizer que ninguém tenha avisado desta situação quando na VI Convenção do BE (2009) criticamos a estratégia de pretender somente retirar a maioria absoluta a Sócrates em vez de, logo aí, se começar a construir um pólo à esquerda - com o PCP, sectores do PS em crise com a sua direcção e independentes - que pudesse derrotar o governo de então. Posteriormente, alertámos de novo e tentámos corrigir o erro, solicitando uma Convenção Extraordinária, para se mudar de orientação, reafirmando a necessidade de retirar o apoio a Alegre e alertando que a sua manutenção acarretaria a localização do BE objectivamente ao lado do governo, com todas as consequências que daí adviriam. Tal como veio a acontecer.

Os episódios da reunião com a Troika e da Moção de Censura - os verdadeiros ziguezagues - foram “mal geridos”. Serviram para tentar cobrir de radicalismo a recta final de um percurso em que o BE não se propôs a derrubar Sócrates. Como foram em contramão total da estratégia alegrista, não foram convincentes. Mas não chegam para explicar a derrota nas legislativas.

A conclusão não pode ser outra, de que a negativa do Bloco em se propor como a principal ferramenta para o derrube de Sócrates, construiu durante anos, esta derrota. Para ser essa ferramenta, o Bloco não poderia fazer alianças que abarcassem o governo, como nas Presidenciais, e deveria ter apostado em construir um pólo à esquerda, que teria de passar por uma apelo ao PCP, que se propusesse a ir a votos para derrubar o PS e a direita. Só uma aliança entre BE e PCP daria aqueles que poderiam apoiar a esquerda grande – “os socialistas descontentes” - uma ferramenta que lhes permitisse derrotar Sócrates sem ter de votar à direita.

O sectarismo do BE e do PCP foi castigado nestas eleições. Para muitos eleitores esta esquerda deixou de contar. É caso para dizer: o sectarismo acaba mal. Porque caiu então o BE bem mais do que o PCP? O apoio a Alegre é a principal resposta mas não a única. Durante anos a direcção do BE negou-se a ter uma política para o activismo quotidiano nas empresas e nos bairros. Pelo contrário, virou todo o partido para o parlamento, afastando-se das pessoas. O PCP, pela sua história e pelo seu enraizamento social, paga lentamente a factura dos seus erros, enquanto o Bloco perde muito mais rapidamente a confiança das suas bases. A sensibilidade a que pertencemos sempre apontou esta crítica à actual direcção, as autárquicas de 2009 foram o aviso, estas legislativas a confirmação.

Por um debate sério e democrático, nova Convenção é precisa!

O debate esgrimido até agora tem sido parcial. Os vários dirigentes e ex-dirigentes que têm vindo a público, só se diferenciam num aspecto: há os que defendem a inexistência de erros no percurso do BE e outros, que como Daniel Oliveira, que acham que o BE deveria ter estado ainda mais próximo do PS.

Os textos que circulam traçam todos a mesma linha recta, anunciando um “debate interno” e logo as suas conclusões, não vá o debate tecê-las! A política que a direcção levou à recente Convenção, tal como denunciámos então, trazia no bojo a repetição da estratégia das presidenciais, em vista de uma futura governação. Jorge Costa deixa antever isso no seu texto (http://esquerda.net/opiniao/linha-%C3%A9-recta), ao relembrar que em Convenção foi decidido manter a “cultura unitária de diálogo” que esteve por trás do apoio a Alegre. Mas o camarada adverte: isto sem “ilusões num “outro PS” que não existe”. De facto, também nas presidenciais estivemos não ao lado de “outro PS”, mas do PS neoliberal de Sócrates. Mudada a liderança do PS, permanecerão iguais tanto o PS como a estratégia do BE.

Mais graves são as declarações de Fernando Rosas em nome da Comissão Política. Além de, previamente à Mesa Nacional, a Comissão Política declarar a inexistência de Convenção e negar a assunção de quaisquer erros, Rosas anuncia o único elemento de balanço que servirá para o futuro. Diz o camarada que uma aliança à esquerda ficou “inviabilizada pelo PS que alinhou na negociação com a troika”. Ou seja, não foram o PCP e o BE, que escolheram ir cada um “na sua bicicleta” os culpados pela derrota da esquerda, mas o PS que não se quis aliar ao BE. Esta consideração demonstra três coisas simples. Uma, que a “cultura unitária de diálogo” que a direcção do BE defendia chegava até à possibilidade de governar ao lado do partido dos PEC’s, o problema foi só a Troika. Outra, que o horizonte da Comissão Política para próximas legislativas inclui um Governo conjunto do BE e do PS. Por fim, que toda a guerra truculenta que a Comissão Política tem movido aos seus críticos mais moderados – como Rui Tavares ou Daniel Oliveira - é inócua, dado que no essencial estão de acordo.

Quem pode não estar de acordo – tanto com o balanço superficial das eleições como com a insistência no caminho que nos trouxe aqui – são os bloquistas. A Comissão Política anunciou que será feito um debate interno, sem Convenção, “como sempre”. Os bloquistas sabem bem que o hábito de “sempre” desta Comissão Política é o de não fazer debates sérios, sobretudo após as derrotas. Assim o foi com as Autárquicas e com as Presidenciais. Por isso propomos uma nova Convenção extraordinária ou, em alternativa, a antecipação da Convenção ordinária, o mais tardar no primeiro trimestre de 2012. Uma Convenção que não se limite a ser um comício para a TV e que faça balanço destas eleições é essencial para rearmar politicamente o BE.

Por fim, o Bloco deve aproveitar o momento e fazer das fraquezas forças novas. Por isso deve dar passos no sentido de uma nova política de alianças, norteada pela resistência – no parlamento e nas ruas – à política da troika. Para isso deve preparar um Congresso das Esquerdas, para o qual convide activistas, sindicalistas e independentes que se opõem ao plano da Troika, tal como os partidos que partilham desta agenda, como o PCP. Este Congresso prepararia uma plataforma de combate a este novo Governo e lançaria as bases para um Governo de Esquerda que o substituísse. Esta é a única política de alianças que não retoma os erros que ditaram a derrota eleitoral.

11/06/2011

Assinam, os membros da Mesa Nacional:
Gil Garcia (Amadora),
João Pascoal (Lisboa),
Cristina Portella (Lisboa),
André Pestana (Oeiras),
Marta Luz (Lisboa),
Tiago Castelhano (Amadora),
Manuel Afonso (Coimbra),
Joana Machado (Braga),
João Lima (Olhão),
Gabriela Mota Vieira (Açores)

O membro da Comissão de Direitos:
Eduardo Henriques (Almada).

Reflexão de Aderentes de Santiago do Cacém

Texto apresentado no Plenário Distrital de Setúbal,
no dia 2 de Julho de 2011

Nós, aderentes de Santiago do Cacém, sentimos ter, para além da necessidade, a obrigação de partilhar convosco algumas das preocupações que sentimos em relação ao momento presente do Bloco de Esquerda.
Assim, e como resultado das discussões fraternas e frontais que temos vindo a realizar em Santiago do Cacém, desde o último acto eleitoral, apresentamos em síntese as nossas reflexões colectivas:

1. Desde 2009 que o Bloco não tem parado um instante que seja; entre a preparação dos vários actos eleitorais que ocorreram em tão curto período e os intensos momentos de luta política, pouca tem sido a disponibilidade de muitos de nós para concretizar, em discussão, as insatisfações e as frustrações que temos sentido:
- as limitações de uma estrutura invertida que não consegue alargar a base, o deficit de participação democrática, as decisões centralizadas e verticalmente transmitidas, a institucionalização de uma nomenklatura funcional, a cristalização da influência tripartidária.

2. Chegamos a 2011 e, nas eleições presidenciais, confrontamo-nos com duas faces de uma moeda da dura realidade:
- A nossa ingenuidade política que nos atira para um candidato e uma campanha de consequências devastadoras para o Bloco e para a Esquerda;
- A perda enorme de capacidade de mobilização de apoiantes e aderentes, visível na transferência significativa de votos para outros candidatos e na abstenção, e mais preocupante ainda pela confirmação de uma incapacidade sentida já na preparação das eleições autárquicas.
Era imperativo, na nossa opinião, ter acontecido, já nessa data, uma reflexão sobre as consequências para o Bloco e para a Esquerda, bem como agir para recuperar a confiança política no Bloco que muitos aderentes e simpatizantes perderam.
Mas nada aconteceu; apenas discursos amargurados e ressabiados e fugiu-se, em grande velocidade, de discutir e questionar caminhos e opções.

3. Logo após, surge a moção de censura - o que dois dias antes não tinha sentido político, dois dias depois é anunciado ao país. A moção ocultada à Mesa Nacional para não estragar a surpresa e a oportunidade de trocar as voltas ao PCP. Para muitos de nós, aderentes e apoiantes, será a moção da rasteira e do truque...
O incómodo é geral e inconsistentes e tergiversantes as explicações dadas, bem como reveladora a forma como foi debatida tão importante decisão política nas estruturas do Bloco.

4. Depois da rasteira política surge o mediático anúncio da reunião com o PCP e não só é difícil compreender esta abrupta mudança, como temos natural dificuldade em encontrar coerência no rumo seguido.

5. Em período pré-eleitoral, realizámos uma Convenção e, não duvidem, as nossas críticas e preocupações ficaram adiadas, pois importou prepararmo-nos para a luta política e, com o necessário pragmatismo, validarmos uma convenção que foi, objectivamente, um momento da campanha eleitoral.
De facto, não seria esta a convenção para discutir o Bloco!

6. Dos resultados pensamos que também se devem
- em parte, a uma conjuntura desfavorável e à percepção de muitos eleitores de que o voto no Bloco seria um voto inútil,
- noutra parte deveu-se a erros próprios e opções questionáveis, como foi o caso da ‘não reunião’ com a troika ou do apagamento de muitas propostas que o Bloco defendera no passado,
- mas também à incapacidade tida em resgatar a confiança que muitos nos deram, que perdemos nestes dois anos e, com maior gravidade, desde as eleições presidenciais.

7. Temos tempo agora para discutir aberta e frontalmente e devemos fazê-lo;
É até nossa obrigação dizer que:
· Lamentamos não ouvir nunca a assunção pública de um eventual erro, bem como a falta de humildade política manifestada por dirigentes do Bloco - Teria sido assim tão difícil admitir devolver a definição de caminhos e políticas aos aderentes após tão pesada derrota?
· Entristecem-nos, sobremaneira, as reacções de dirigentes e as atitudes por parte de alguns de nós em relação às vozes críticas e discordantes, qual expediente de fuga para nada se discutir, encontrando desde logo 'bodes expiatórios' e ‘quem não é por nós...’
· Receamos a inutilidade final de toda esta discussão, quando constatamos que numa reunião da coordenadora distrital se ocupa um tempo imenso a discutir os nomes de quem diverge - qual preparatória acção de 'caça às bruxas' - sem se discutirem as reais causas de se terem tido resultados eleitorais inferiores aos obtidos em 2005;
· Sentimos enorme perplexidade quando lemos uma resolução da Mesa que não expressa algumas das preocupações que foram, inclusivé, apresentadas em reunião prévia da coordenadora distrital, mas sobretudo que condiciona a discussão que se pretende aberta, quando, por exemplo, conclui e fecha eventuais polémicas sobre as presidenciais e a moção de censura;
· Ficamos incomodados quando se justificam resultados com a falta de esclarecimento ou as dificuldades de compreensão dos eleitores, como se, em 2 anos, aqueles que votaram em nós tivessem todos sofrido de uma doença cognitiva;
· Não compreendemos como pode o Bloco dinamizar e participar num debate na Esquerda, livre, alargado e sem sectarismos, quando a discussão interna é tão fortemente condicionada com as intervenções de dirigentes ou com a resolução da Mesa, ou quando é tão sectária a reacção às opiniões discordantes. Tão mais difícil é ouvir os outros quando apenas contam as certezas que temos dentro de nós…
· Lamentamos esta cristalização funcional do Bloco num centralismo dito democrático, onde as estruturas dirigentes intermédias são instrumentos de transmissão vertical de tarefas e quem as integra tem a responsabilidade de instruir e munir os núcleos e as bases com directivas e argumentos de discussão política;
· Sentimos especial desilusão quando sabemos que decisões são tomadas e nomes escolhidos nas estruturas dos partidos fundadores - na pressuposta defesa de equilíbrios tripartidários - antes mesmo de serem discutidos nas estruturas do Bloco, condicionando assim a democracia interna e a representatividade dos aderentes e apoiantes (a maioria?), que nada têm a ver com UDP, PSR ou Política XXI;
· Consideramos ser este o momento para discutir e clarificar - temos o tempo para fazê-lo. É imprescindível que o façamos.
Objectivo prioritário que devemos ter a médio-prazo é inverter esta sangria de apoiantes e resgatar a sua confiança e a confiança dos muitos aderentes que estão zangados com o Bloco, mas para tal é necessária clarificação. Que deverá resultar da discussão aberta a realizar-se dentro e fora do Bloco, com aderentes e apoiantes. Clareza na assunção de convicções, de práticas, de estruturas. Uma clarificação que os partidos devem igualmente assumir: se pretendem que o Bloco continue a ser uma plataforma de coligação UDP/PSR/PolíticaXXI, com a manutenção de um status-quo de equilíbrios que desilude e afasta independentes, ou se o libertam, para que, em efectiva plena-maioridade e sem estar agrilhoado a sectarismos e tacticismos politico-partidários, o Bloco de Esquerda realize uma plural convergência de gentes de Esquerda, de todas as Esquerdas.

Santiago do Cacém, Junho de 2011

A espera... ou um processo de perplexidade em curso


Nas muitas voltas que a vida dá, vi-me, alguns anos atrás, na inesperada mudança de residência de uma área urbana para o interior rural (apesar de litoral e urbanizado, mas o sul de Setúbal é terra distante de tanto...).

A identificação ideológica e a admiração de uma postura inconformista e, sobretudo, agitadora das consciências cívicas e políticas, fizera de mim apoiante e votante do Bloco, desde a sua génese.

Mas em terra nova surge a constatação da quase inexistência de actividade local do Bloco, para além do voluntarismo praticamente unipessoal de um camarada nosso... e não há bloquistas nas mesas de voto, nem listas, nem campanha... apenas os partidos do sistema, particularmente conformados e rendidos à tradição de um domínio autárquico de um Partido Comunista conservador... Daí à adesão e participação na actividade política local foi um pequeno passo, muito pequeno e fácil quando se integra um movimento que realiza a democracia participada e que, a todo o momento, questiona e invalida centralismos democráticos ou seguidimos carreiristas... O resto da história – a constituição do núcleo de Santiago do Cacém, todos vós conhecem.

Em todo este tempo tem sido constante a reflexão crítica de tudo, quer da minha participação enquanto aderente e autarca, quer também da nossa actividade partidária local e nacional, reflexão esta que tenho realizado, quando necessário, nas estruturas do Bloco, sobretudo no núcleo, onde tenho tido o espaço e, sobretudo, a companhia de camaradas que, em minha opinião, também se assumem como livre pensadores, críticos e plurais.

Mas a tradição ou as características inerentes à condição de grupo ou de força política que aspira à governação da coisa pública, por vezes tem-nos trocado as voltas, com alguns de nós alertando regularmente para a ocorrência de descuidos centralistas, com planificações, acções ou decisões a serem tomadas por estruturas superiores, sem a necessária participação e acompanhamento das estruturas de base, mas esperando-se que estas depois acompanhem e compreendam o que foi feito pelas estruturas dirigentes... Nestas circunstâncias, aos aderentes que fazem a ligação entre estruturas, cabe o papel de instrução e esclarecimento dos aderentes de base, quais educadores das massas...

Toda esta reflexão introdutória (ou desabafo militante...) resulta tão só da espera em que ainda me encontro, pois aguardo ainda, pela nossa parte, da assunção da derrota nas eleições presidênciais bem como da reflexão sobre o que aconteceu e sobre as consequências presentes e futuras para a intervenção política do Bloco e, particularmente, para a sua consolidação ideológica.

Pessoalmente considerei também que o candidato Manuel Alegre, era aquele que mais condições reunia para derrotar Cavaco Silva; acessoriamente e por pontuais proximidades com as nossas posições, considerava igualmente que a candidatura de Manuel Alegre podia reanimar os militantes socialistas de esquerda e fazer surgir uma alternativa de esquerda dentro do próprio P.S.

Mas não foi assim; Manuel Alegre ficou muito longe da remota possibilidade de derrotar Cavaco Silva, não animou nem motivou a esquerda do P.S., tornado-se praticamente impossível até, para muitos bloquistas, apoiarem ou participarem numa campanha de um candidato quase aristocrático, refém do apoio da facção mais liberal e esquemática do P.S. e da concordância com orçamentos e políticas económicas desastrosas e propiciadoras de eventuais entradas do F.M.I.... e, no fim, praticamente metade do eleitorado do B.E. votou em Fernando Nobre.

Mas depois das eleições nada aconteceu, apenas algumas declarações de circunstância, amarguradas e esquivas e, nos dias seguintes assisti ao fugir para a frente: A importância excessiva dada a problemas como o número de eleitor e as tentativas de marcar agenda política, mas nada sobre os resultados das presidênciais e seus efeitos para o Bloco e para a sua acção política, bem como sobre o risco do distanciamento definitivo de alguns dos apoiantes do Bloco, como se realmente nada tivesse acontecido.

E, na espera desta análise, surge um novo facto: O anúncio de uma moção de censura, a moção de censura que, dias antes, não teria utilidade prática e que, se discutida pela comissão política e grupo parlamentar, foi mantida afastada do conhecimento dos membros da Mesa Nacional. Reveladoras são agora as declarações de alguns dos membros da Mesa e notória, agora, a dificuldade em explicar a sua utilidade, para além da aparente finta que se faz ao P.C.P, antecipando-nos a eles, não só através do esvaziamento da oportunidade de uma sua moção, mas também no assumir com maior convicção do centralismo dito democrático.

Agora os dirigentes terão o tal papel educador, tentando convencer-nos da, afinal de contas, oportunidade e das virtualidades de uma moção, aparentemente extemporânea porque falha na alternativa a uma queda de governo (para além de uma mais que esperada vitória da nova A.D.), mas também eventualmente inconsequente caso não seja aprovada e derrubado o governo, como se deseja quando se apresentam moções de censura...

Inquestionável é o facto de se ter marcado a agenda política, para além termos trocado as voltas aos dirigentes do P.C.P., mas receio que se prolongue esta minha espera por uma análise dos mais recentes acontecimentos, e fique adiada para além de um tempo em que terei que, uma vez mais, reflectir a minha forma de estar na política e na sociedade, e igualmente participar na avaliação colectiva que temos que efectuar, dentro das estruturas do Bloco que cada um de nós integra.

Tão mais importante que a marcação da agenda política ou o número de autarcas e a dimensão que o grupo parlamentar do Bloco tenha, é a identificação com um projecto e a coerência entre os nossos princípios éticos e políticos e a nossa praxis política, caso contrário conformamo-nos e transformamo-nos na imagem das nossas críticas às outras forças partidárias: Tornamo-nos num partido carreirista e seguidista, sustentado por um corpo de aspirantes e políticos profissionais, dependentes de votações e reverenciadores de quem elabore listas e candidaturas... ou seja: num partido como os outros.

Francisco Roque

Ideologias políticas esquecidas

O inconformismo cada vez mais se apodera das nossas consciências, aqui em Ermidas-Sado deparamo-nos com autenticas aberrações dentro daquilo que deveriam ser políticas de esquerda, alias, como se vem a apregoar desde o 25 de Abril.

Os casos de insuficiência infra-estrutural ou simplesmente a degradação inevitável das existentes são uma constante deste nosso quotidiano que parece esquecido pela tutela. Poderia aqui deixar uma nota sobre a praça onde hoje o comercio de fruta, leguminosas, peixe ou carne é seriamente prejudicado pelas degradantes condições do espaço, podia falar sobre um espaço cultural que não existe, um espaço para a pratica desportiva digna ou passar em revista todas aquelas ruas que não conhecem o sabor da dignidade e das suas condições mínimas de circulação, cidadãos condenados á pobreza sentimental e racional de quem os governa, cidadãos condenados a levar com a lama no inverno e o pó no verão, só e apenas porque a nossa “querida” câmara municipal acha que aquelas ruas não devem ser alcatroadas, pelo menos enquanto aquela força politica não dominar também aquele território.

Será doença…? Sr. Proença…?

O mais grave é que os tópicos que poderiam ser lançados aqui, são, diria quase inesgotáveis tal é a situação que se vive, em relação ao investimento publico por parte da autarquia, pois é dela a competência de transformar as pequenas comunidades locais, mas diria eu que no sentido do desenvolvimento e não da estagnação pois esta rapidamente se transforma em regressão devido ao facto de existirem variáveis naturais como por exemplo o desgaste das infra-estruturas. Ou não? Admito que podem ser apenas devaneios surreais de quem é oposição….mas não creio.

Contudo, e porque o verdadeiro assunto que me levou a criar esta espécie de contestação escrita, é a situação do jardim público. Um jardim sem vida, um jardim sem alegria, um jardim sem um olhar apenas, toda a nossa gente da dita classe política cega momentaneamente aquando de uma qualquer abordagem acerca da matéria.

Um jardim que foi esquecido, sim foi esquecido por todos, o que é lamentável. Um espaço verde desta envergadura, albergando varias arvores de grande porte uma área considerável de relva e pequenas plantas, é diria, o pulmão da vila. O jardineiro da junta de freguesia ocupa maioritariamente o seu horário laboral a tratar deste espaço que mesmo assim tem que ser preservado dentro das nossas possibilidades.

Mas quando, a infra-estrutura desportiva existente é abandonada, toda a periferia em passeio é retirada de forma barbara e nem se sonha quando poderá ser recolocada, o parque infantil corre o risco de encerrar pois o piso é de areia, o que dentro das térmites legais não se coaduna, e mais uma vez a resposta para a colocação de piso de borracha é nula e seriamente num acto de desprezo. Isto para não falar de um prédio diria eu devoluto na minha concepção mas não o é na forma burocrática actual é um facto, refiro-me ao antigo bar do jardim onde á primeira vista se pode observar que a zona contigua, dita esta, que representa nada mais, nada menos que o único local publico de saneamento publico para todos, ao que por ironia do destino, talvez, as chuvas deste inverno se encarregaram de destruir parcialmente ou pelo menos incapacitar a infra-estrutura da sua função original, que julgo eu, ser algo prioritário para uma esquerda de confiança e que represente as necessidades de todos e principalmente as classes sociais mais baixas, as escolhas e as trajectórias político-ideológicas definem-se provavelmente e mais que em qualquer outras nestas situações, e a resposta que obtivemos foi mais uma vez, a do esquecimento.

O bar propriamente dito, é talvez a situação mais delicada de todo o espaço que diz respeito a este jardim hoje e mais do que nunca, fantasmagórico. Um bar capacitado de resolver a desertificação nocturna do espaço, dotado da capacidade de estimular a actividade cultural e desportiva do espaço, capaz de responder um pouco mais às necessidades de convívio dos jovens que por aqui ainda vivem, e julgo que eles serão uma peça fundamental do desenvolvimento local, que neste momento lhes foram retiradas as ainda escassas oportunidades de se sentirem jovens.

Mas não pode ser, temos que acabar com o jardim e com o seu bar, pois o local está a potenciar a marginalidade, os conflitos geracionais e sobretudo o consumo de drogas.
Este sempre foi e julgo que será o discurso do Partido Socialista aqui sob a tutela da junta de freguesia, e também do Partido Comunista sob a tutela da câmara municipal, a situação actual do espaço é como não poderia de deixar de ser o resultado da estática deliberada da junta de freguesia desde á alguns anos atrás e refiro-me atodos os membros do executivo sem excepção pois nunca ninguém se mostrou com a vontade real de requalificar o espaço ou somente não permitir o seu encerramento (bar), ao que a câmara agradeceu
.
Será com um sério sentido de dificuldade e adversidades ao nível do poder decisório, que o Bloco de Esquerda, se irá empenhar como se tem empenhado na resolução de todos estes problemas, e dizer sem medo que é a favor da reabertura do bar do jardim já, da requalificação de toda a sua extensão e de uma política que vá ao encontro das necessidades de todos e não, só de alguns. Continuaremos sozinhos nesta luta se assim as outras forças o decidirem, mas estaremos certamente onde temos que estar.

No fim-de-semana o jardim foi alvo de actos de vandalismo durante a noite onde foram destruídos bancos e algumas árvores, e para concluir pergunto: quem devemos responsabilizar? Quem destruiu algo por sua vez já destruído, abandonado, esquecido e desprezado, ou quem tem o poder de inverter a dinâmica do espaço e transformar algo fantasmagórico e medonho num espaço digno, diversificado, amistoso e capaz de responder ás necessidades do povo ou pura e simplesmente aniquilar por completo a génese deste inconformismo que se revela sob a forma de vandalismo?

Bruno Candeias

Invadir o domínio

O Bloco de Esquerda continua a crescer no município de Santiago do Cacem e a prova está nos resultados obtidos nas autárquicas, onde uma série de pessoas de maior ou menor idade apostaram numa esquerda de confiança.

Contudo, e sendo realista ou simplesmente analisando números, estamos ainda longe daquilo que seria o objectivo. E é nesta linha de trabalho, de luta e de combate que começaram já alguns movimentos de proximidade, com um público-alvo especial: os jovens!

Os jovens do Bloco de Esquerda do concelho de Santiago do Cacem, tomaram a iniciativa de intervir activamente junto das massas juvenis, nas escolas secundárias do concelho, criando iniciativas de varias índoles imaginárias.

O objectivo é comum, criar uma espécie de “boom” juvenil, num concelho amorfo, onde a reivindicação seja a ordem do dia e que de pequenos grupos de pares, desabroche a planta revolucionaria que por sua vez se auto-polvorize e liberte o máximo de sementes reaccionárias.

Constata-se uma predisposição ideológica com a linha que traçamos, mas a sustentação activista está em declínio, o que de modo algum poderá continuar a acontecer, todos juntos iremos trabalhar arduamente no sentido de dizermos: estamos cá, juntem-se e todos vamos fazer a revolução! Parece utópico, é verdade, mas confio plenamente numa acção positiva, e que a grande tarefa da consciencialização das massas passe também e necessariamente por aqui…

Depois de uma gesticulação ate curta, a decisão foi tomada e partimos para o centro do maior aglomerado populacional do concelho, passando também pela sua “capital do capital”, basicamente uma sede de concelho á vista desarmada contagiada pelo consumismo em prol do status, digno de uma das melhores teorias capitalistas municipais.

E fora ai mesmo o ponto de partida…os caixotes do lixo ficavam com uma estrelinha ensopada de um liquido viscoso que a mantinha visível, os mais curiosos regateavam á esquina, mas seria na escola que teríamos a maior surpresa, umas dezenas de estudantes muito sociáveis e que nos deram alento para continuar a jornada.

Uma jornada, na cidade desconhecida, onde por todo o lado se ouvia uma voz politica, os cartazes invadiam as paisagens urbanas das linhas limítrofes do parque central e o seu interior, como se algo de clandestino se tratasse, um cheiro a estalinista pairava no ar, uma espécie de perseguição á distancia.

O toque de intervalo fazia-se ouvir, as batidas cardíacas aumentavam e surpreendentemente mais de uma centena de panfletos sucumbiram ao sol abrasador que nos iluminava á porta da secundária Padre António Macedo. Divergências??????? Uma …. Que falava em Jotas fantásticas, mas decerto com um sorriso encarnado a desvanecer.

Mais uma investida, e desta vez com som de rua a anunciar um concerto em sítio nenhum. A cidade fora acordada pelas palavras “irritantes” do locutor e peço desculpa se incomodamos alguém, mas assim demo-nos a conhecer, demo-nos á causa, demo-nos á população…

Quando a noite caiu, os sons do precariado ouviam-se debaixo de um candeeiro, de onde se destacava o ponto de referência, a luz brilhante do amplificador azul-turquesa. Mais parecia um concerto revolucionário em pleno estado novo!!!! O que significa algo mais do que aquilo que as nossas consciências avistam.(será mesmo?)

E o que nos reserva o futuro? Não sei. Mas tenho a certeza que ele será nosso, de todos nos, com a nossa luta, com a nossa vontade, com a nossa convicção…o futuro está nas nossas mãos!

Bruno Candeias

Festejar Abril em Ermidas-Sado

 
Passados 36 anos, desde a revolução dos cravos, Ermidas-Sado comemorou o 25 de Abril, com um desejo que tal evocação á democracia, possa de grosso modo, ser o elo de ligação entre a emancipação juvenil e a nostalgia dos que se libertaram do regime.

Comemorações estas, que foram assumidas de corpo e alma por aqueles que desejam, a manutenção da actividade desportiva e cultural com um toque de festim, como motores do desenvolvimento local.

Depois de uma longuíssima demora (algo como vários anos), dezenas de jovens e menos jovens reviveram aquele que é o espírito inevitavelmente revitalizante, de participar no torneio de futebol salão, que era algo que estava na raiz identitaria de todos nós, e um torneio onde tudo acontece…mas deixem-me dizer que foram semanas de magia, competição, amizade, euforia, alegria e tristeza, que certamente permanecerão na memoria de muitos.

Ficamos a saber um pouco mais acerca do que foi a revolução, assim como todo o processo posterior, a partir de depoimentos de indivíduos exteriores ao país, mas, certamente muito atentos a todos os acontecimentos.

E seria através de um pequeno ecrã, que pouco mais de uma dezena de pessoas, puderam reflectir acerca das imagens e sons, de um pais embriagado num sonho momentâneo (visualização do filme: “Outro Pais”), de onde a viagem temporal fora bastante célere até á actualidade, sempre com uma interacção desinibidora, que desde logo transformara o publico e apresentador num só.

A revolução trouxe de facto algumas melhorias ao quotidiano de alguns, pena é que seja só para alguns. E cinjo-me á música como substancia cultural potenciadora da criatividade, da qual vários jovens, filhos de uma tutela camarária que lhes rejeita um mísero apoio, salvaguardando artistas da elite, a desejaram criar e oferecer ao povo.

A luta foi e é inglória, mas não o fim, e mesmo sob as adversidades do underground oferecido por uma ocupação obrigatória, a arte deu á luz uma noite preenchida pelas notas rockeiras, ofuscando uma centena, “um povo que agradece na mesma”, o desprezo a quem luta diariamente e o esbanjar de dezenas de milhar de euros num só artista, simplesmente porque fica bem…

Os ruídos ensurdecedores dos foguetes e morteiros, lançados pelo sempre corajoso que para tal apenas deposita a sua vontade, faziam-se ouvir pela noite e pelo amanhecer como que um verdadeiro hino á historia.

As crianças apresavam-se, o atletismo ia começar…um momento brilhante onde a competição mais uma vez aliada ás praticas saudáveis, se transformou numa manhã de alegria, onde também os graúdos tiveram o seu momento, dos 4 aos 90, o alcançar da meta foi uma constante de coragem e determinação.

O Zeca já se ouvia por entre as folhas sorridentes de um jardim que havia ressuscitado por alguns dias, para assistir de entre tantas coisas, a um convívio abrasador de uma tarde de domingo com nome de liberdade, onde também ao som de baile, muitos não deixaram de dar um pezinho.

Já alguns preferiam assistir atentamente ao chiquilho, que haveria de ser a grande entretenga de uma tarde memorável.

Um arco-íris de actividades, conjugadas sob o direito á liberdade e á felicidade ou simplesmente ao sonho. E poderia sonhar apenas com a dignidade e respeito para com estes cidadãos, á sua actividade desportiva e cultural, até porque para já o sonho ainda não é pago, pré-requisitado ou até decidido por outrem.

Será certamente a nossa forma de encarar o futuro, com esperança e a sonhar que com toda a dedicação, empenho e determinação, que tais comemorações poderão certamente evoluir exponencialmente, num galope sob vários sentidos do enquadramento das mesmas.

Viva Abril !!

Bruno Candeias

A minha perspectiva

“A democracia perfeita só pode existir numa sociedade de anjos”. J.J.Rousseau

Camaradas, não será de anjos que vos lhes vou falar, mas sim de um poeta.

Um poeta que poderá criar um movimento de convergências á esquerda, essencial na estrutura politica portuguesa. A democracia de Rousseau não a conseguirá alcançar certamente, ao que por outro lado, se todos nós acreditarmos que é possível unir metade dos portugueses, assistiremos a uma grande festa da democracia.

Pensemos que, se Manuel Alegre se tornar presidente da república, estará a representar maioritariamente uma fragmentação ideológica que nos habituou a uma vitória da direita conservadora ou de candidatos improváveis.

Manuel Alegre, penso que será o único capaz de derrubar um Cavaco pré-histórico, e fundamentalmente uma direita, invisivelmente apoiada por socialistas que têm pactuado no sentido daquilo que observamos em nosso redor, um espectro politico degradado e corrompido por assimetrias inexplicáveis do ponto de vista da justiça social e anestesiado por um capitalismo tóxico mortal…

Manuel Alegre, abrirá a sela democrática em que a esquerda portuguesa se aprisionou durante um tempo demasiado longo, atento nesta questão apenas porque creio ser um passo em nome da reorganização politica e dos portugueses.

E os ingredientes são os necessários: um poeta que considero ser de uma índole humanista e justa; homem que se atreveu a lutar contra os seus camaradas, em matéria de discriminações, justiça económica ou simplesmente no código de trabalho; e fundamentalmente um homem aberto aos problemas sociais que vivemos, determinado a combate-los.

Diz-se que esta será a reedição de 1986, não creio. Algo me leva a crer, que o PC não entrará com candidato próprio, e consciente apoiará Alegre, assim como o PS de contrariado o apoiará, ao mesmo tempo que a esquerda reaccionária, (mas que tormento….!?!?). Teremos, isso sim um Cavaquismo sólido e frio, apoiado por indivíduos sigilosos do sistema, envolvidos pelo capote cor-de-rosa do quotidiano.

Resta-nos um Nobre homem, de causas humanitárias, e disso direi que o congratulo e mérito lhe acrescentarei. Já no que toca a politica, surge sob um arco-íris ideológico e saltitando põe a pata na poça da monarquia, (mas que azar…!?!?).

Estratégia falhada…Soares que o lançou, poderia em tempos aniquilar Alegre e a esquerda que tanto odeia, mas o feitiço voltou-se contra o feiticeiro e talvez Cavaco ou a ala conservadora o temam agora.

Portanto com estratégias Cavacosoaristas, a direita, arrisca-se a finalmente criar condições para que vença uma candidatura supra-partidaria, definida por uma esquerda bastante Alegre.

Bruno Candeias

Ricos mas pobres ou... à espera de crescimento económico

(A actualidade, agravada, desta crónica faz-me recuperar o que escrevera em 2007...)

Numa entrevista recente o coordenador de um estudo nacional sobre a pobreza1, apresentou, surpreendido, estes impressionantes números: 40% das famílias pobres têm emprego e outros 30% de famílias pobres recebem pensões de reforma. Surpresa? Talvez, pois quando se fala em pobreza pensa-se nos mais excluídos da sociedade e não propriamente em famílias ditas tradicionais, de casados, viúvos, solteiros, com trabalho ou recebendo pensões...

Praticamente todos temos a percepção que pensões de reforma ou velhice são, em número elevado e crescente, insuficientes para suprir as necessidades mais básicas dos mais idosos, até pela degradação das suas capacidades económicas, fruto da diminuição real do valor das pensões, quando comparadas com os aumentos dos custos dos bens de primeira necessidade e, especialmente, da saúde.

Mas associar pessoas com emprego a situações de pobreza, e numa dimensão tão significativa, pode causar alguma admiração e espanto muitos de nós, menos atentos ao que se passa nas nossas vizinhanças ou com nenhuma vontade de assumir as nossas realidades domésticas.
No entanto, é esta a realidade: o empobrecimento gradual dos trabalhadores por conta de outrém, especialmente quem está a entrar agora no mercado de trabalho ou quem, por muitas e variadas razões, regressa à situação de procura de emprego.

Algumas das causas deste empobrecimento de quem trabalha são muito concretas e definidas:
- O recurso cada vez mais frequente a empresas de trabalho temporário para tarefas permanentes e continuadas - e uma parte importante do salário do trabalhador a ficar nas mãos do intermediário;
- A crescente precariedade das relações laborais reflectida nos recibos verdes e nos contratos a prazo, alguns com prazos de 1 mês sucessivamente renovados até ao limite, e com o Estado a dar o exemplo (no Hospital do Litoral Alentejano a maioria dos técnicos de saúde encontra-se na precariedade dos contratos a prazo de 3 meses renovados por uma vez);
- Os salários cada vez mais baixos e mais distantes da média europeia, principalmente os mais reduzidos. No sector privado os salários mínimos e remunerações poucos superiores a este (500, 600 euros) atingem percentagens assustadoras no global das remunerações, e imagine-se a vida de uma família com 500 euros por mês!...

Não tenhamos ilusões; numa economia de mercado, em que os níveis salariais são consequência da relação directa entre a oferta e a procura de emprego, ou seja: quanto mais pessoas existirem a procurar oportunidades de emprego cada vez mais escassas, tanto menores as remunerações que lhes são propostas, então verifica-se que empresas e Estado tudo farão para manter elevados níveis de desemprego e descredibilizar, naturalmente, fantasias de pleno-emprego, ideal tão nocivo ao crescimento económico em economias capitalistas de mercado.

Para as empresas, mais desemprego possibilita baixas remunerações e poucas condições laborais, reduzindo assim o custo do factor trabalho e aumentando lucros e capitalizações bolsistas.

Para o Estado, mais desemprego (e baixos salários) permite justificar a implementação da flexi-insegurança, e possibilita uma economia nacional atractiva e concorrencial na presente globalização económica, assim como empresas competitivas face a concorrentes directos como são as empresas que operam no extremo oriente, em economias dinâmicas, desenvolvidas e particularmente "sensíveis" no que toca a condições laborais, a questões sociais, a preocupações ambientais...

Contudo as estatísticas mostram-nos que, apesar destes quadros tão sombrios, o crescimento económico ocorre (apesar de muito fraquinho...), o consumo das famílias não se retrai, e temos até alguns salários bem acima da média europeia (gestores de topo de empresas que não são de topo...);

Estará então o nosso problema na criação da riqueza, e precisemos de crescer mais para o país e todos nós sermos mais ricos?... Ou, pelo contrário, será apenas uma questão de distribuição da riqueza?

Regresso à reportagem que referi no início e cito na íntegra a resposta à seguinte questão...
"Que caminho tem seguido a política económica que leva a que existam 40 por cento de pobres que têm trabalho?
- Ou decidimos que vamos crescer primeiro para distribuir depois, ou das várias maneiras de crescer escolhemos a que assegura o crescimento com uma melhor distribuição. Tem-se provado que a primeira não acontece. Ouço-a há 40 anos e estou à espera do dia em que já crescemos o suficiente para distribuir. Há alternativas mas elas não dependem só dos governos, mas dos empresários, dos trabalhadores, da sociedade em geral, do próprio sistema económico" 1.

O desafio presente é, efectivamente, este: a escolha de um modelo económico alternativo que substitua este injusto e bárbaro modelo económico dominado por poucos e causador de tanta pobreza e desigualdade por todo o mundo.

No Bloco de Esquerda esta é uma das nossas prioridades: apresentar e defender políticas e atitudes que nos permitam seguir um outro caminho, um caminho que concilie crescimento económico com uma distribuição da riqueza mais justa e construir um outro modelo económico que vise satisfazer com justiça e equilíbrio as necessidades de todos.

1. Entrevista de Alfredo Bruto da Costa, vice-presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, in: Jornal "Público" de 4/06/2007

Francisco Roque
deputado municipal do B.E. em Santiago do Cacém