A espera... ou um processo de perplexidade em curso


Nas muitas voltas que a vida dá, vi-me, alguns anos atrás, na inesperada mudança de residência de uma área urbana para o interior rural (apesar de litoral e urbanizado, mas o sul de Setúbal é terra distante de tanto...).

A identificação ideológica e a admiração de uma postura inconformista e, sobretudo, agitadora das consciências cívicas e políticas, fizera de mim apoiante e votante do Bloco, desde a sua génese.

Mas em terra nova surge a constatação da quase inexistência de actividade local do Bloco, para além do voluntarismo praticamente unipessoal de um camarada nosso... e não há bloquistas nas mesas de voto, nem listas, nem campanha... apenas os partidos do sistema, particularmente conformados e rendidos à tradição de um domínio autárquico de um Partido Comunista conservador... Daí à adesão e participação na actividade política local foi um pequeno passo, muito pequeno e fácil quando se integra um movimento que realiza a democracia participada e que, a todo o momento, questiona e invalida centralismos democráticos ou seguidimos carreiristas... O resto da história – a constituição do núcleo de Santiago do Cacém, todos vós conhecem.

Em todo este tempo tem sido constante a reflexão crítica de tudo, quer da minha participação enquanto aderente e autarca, quer também da nossa actividade partidária local e nacional, reflexão esta que tenho realizado, quando necessário, nas estruturas do Bloco, sobretudo no núcleo, onde tenho tido o espaço e, sobretudo, a companhia de camaradas que, em minha opinião, também se assumem como livre pensadores, críticos e plurais.

Mas a tradição ou as características inerentes à condição de grupo ou de força política que aspira à governação da coisa pública, por vezes tem-nos trocado as voltas, com alguns de nós alertando regularmente para a ocorrência de descuidos centralistas, com planificações, acções ou decisões a serem tomadas por estruturas superiores, sem a necessária participação e acompanhamento das estruturas de base, mas esperando-se que estas depois acompanhem e compreendam o que foi feito pelas estruturas dirigentes... Nestas circunstâncias, aos aderentes que fazem a ligação entre estruturas, cabe o papel de instrução e esclarecimento dos aderentes de base, quais educadores das massas...

Toda esta reflexão introdutória (ou desabafo militante...) resulta tão só da espera em que ainda me encontro, pois aguardo ainda, pela nossa parte, da assunção da derrota nas eleições presidênciais bem como da reflexão sobre o que aconteceu e sobre as consequências presentes e futuras para a intervenção política do Bloco e, particularmente, para a sua consolidação ideológica.

Pessoalmente considerei também que o candidato Manuel Alegre, era aquele que mais condições reunia para derrotar Cavaco Silva; acessoriamente e por pontuais proximidades com as nossas posições, considerava igualmente que a candidatura de Manuel Alegre podia reanimar os militantes socialistas de esquerda e fazer surgir uma alternativa de esquerda dentro do próprio P.S.

Mas não foi assim; Manuel Alegre ficou muito longe da remota possibilidade de derrotar Cavaco Silva, não animou nem motivou a esquerda do P.S., tornado-se praticamente impossível até, para muitos bloquistas, apoiarem ou participarem numa campanha de um candidato quase aristocrático, refém do apoio da facção mais liberal e esquemática do P.S. e da concordância com orçamentos e políticas económicas desastrosas e propiciadoras de eventuais entradas do F.M.I.... e, no fim, praticamente metade do eleitorado do B.E. votou em Fernando Nobre.

Mas depois das eleições nada aconteceu, apenas algumas declarações de circunstância, amarguradas e esquivas e, nos dias seguintes assisti ao fugir para a frente: A importância excessiva dada a problemas como o número de eleitor e as tentativas de marcar agenda política, mas nada sobre os resultados das presidênciais e seus efeitos para o Bloco e para a sua acção política, bem como sobre o risco do distanciamento definitivo de alguns dos apoiantes do Bloco, como se realmente nada tivesse acontecido.

E, na espera desta análise, surge um novo facto: O anúncio de uma moção de censura, a moção de censura que, dias antes, não teria utilidade prática e que, se discutida pela comissão política e grupo parlamentar, foi mantida afastada do conhecimento dos membros da Mesa Nacional. Reveladoras são agora as declarações de alguns dos membros da Mesa e notória, agora, a dificuldade em explicar a sua utilidade, para além da aparente finta que se faz ao P.C.P, antecipando-nos a eles, não só através do esvaziamento da oportunidade de uma sua moção, mas também no assumir com maior convicção do centralismo dito democrático.

Agora os dirigentes terão o tal papel educador, tentando convencer-nos da, afinal de contas, oportunidade e das virtualidades de uma moção, aparentemente extemporânea porque falha na alternativa a uma queda de governo (para além de uma mais que esperada vitória da nova A.D.), mas também eventualmente inconsequente caso não seja aprovada e derrubado o governo, como se deseja quando se apresentam moções de censura...

Inquestionável é o facto de se ter marcado a agenda política, para além termos trocado as voltas aos dirigentes do P.C.P., mas receio que se prolongue esta minha espera por uma análise dos mais recentes acontecimentos, e fique adiada para além de um tempo em que terei que, uma vez mais, reflectir a minha forma de estar na política e na sociedade, e igualmente participar na avaliação colectiva que temos que efectuar, dentro das estruturas do Bloco que cada um de nós integra.

Tão mais importante que a marcação da agenda política ou o número de autarcas e a dimensão que o grupo parlamentar do Bloco tenha, é a identificação com um projecto e a coerência entre os nossos princípios éticos e políticos e a nossa praxis política, caso contrário conformamo-nos e transformamo-nos na imagem das nossas críticas às outras forças partidárias: Tornamo-nos num partido carreirista e seguidista, sustentado por um corpo de aspirantes e políticos profissionais, dependentes de votações e reverenciadores de quem elabore listas e candidaturas... ou seja: num partido como os outros.

Francisco Roque

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