Reflexão de Aderentes de Santiago do Cacém

Texto apresentado no Plenário Distrital de Setúbal,
no dia 2 de Julho de 2011

Nós, aderentes de Santiago do Cacém, sentimos ter, para além da necessidade, a obrigação de partilhar convosco algumas das preocupações que sentimos em relação ao momento presente do Bloco de Esquerda.
Assim, e como resultado das discussões fraternas e frontais que temos vindo a realizar em Santiago do Cacém, desde o último acto eleitoral, apresentamos em síntese as nossas reflexões colectivas:

1. Desde 2009 que o Bloco não tem parado um instante que seja; entre a preparação dos vários actos eleitorais que ocorreram em tão curto período e os intensos momentos de luta política, pouca tem sido a disponibilidade de muitos de nós para concretizar, em discussão, as insatisfações e as frustrações que temos sentido:
- as limitações de uma estrutura invertida que não consegue alargar a base, o deficit de participação democrática, as decisões centralizadas e verticalmente transmitidas, a institucionalização de uma nomenklatura funcional, a cristalização da influência tripartidária.

2. Chegamos a 2011 e, nas eleições presidenciais, confrontamo-nos com duas faces de uma moeda da dura realidade:
- A nossa ingenuidade política que nos atira para um candidato e uma campanha de consequências devastadoras para o Bloco e para a Esquerda;
- A perda enorme de capacidade de mobilização de apoiantes e aderentes, visível na transferência significativa de votos para outros candidatos e na abstenção, e mais preocupante ainda pela confirmação de uma incapacidade sentida já na preparação das eleições autárquicas.
Era imperativo, na nossa opinião, ter acontecido, já nessa data, uma reflexão sobre as consequências para o Bloco e para a Esquerda, bem como agir para recuperar a confiança política no Bloco que muitos aderentes e simpatizantes perderam.
Mas nada aconteceu; apenas discursos amargurados e ressabiados e fugiu-se, em grande velocidade, de discutir e questionar caminhos e opções.

3. Logo após, surge a moção de censura - o que dois dias antes não tinha sentido político, dois dias depois é anunciado ao país. A moção ocultada à Mesa Nacional para não estragar a surpresa e a oportunidade de trocar as voltas ao PCP. Para muitos de nós, aderentes e apoiantes, será a moção da rasteira e do truque...
O incómodo é geral e inconsistentes e tergiversantes as explicações dadas, bem como reveladora a forma como foi debatida tão importante decisão política nas estruturas do Bloco.

4. Depois da rasteira política surge o mediático anúncio da reunião com o PCP e não só é difícil compreender esta abrupta mudança, como temos natural dificuldade em encontrar coerência no rumo seguido.

5. Em período pré-eleitoral, realizámos uma Convenção e, não duvidem, as nossas críticas e preocupações ficaram adiadas, pois importou prepararmo-nos para a luta política e, com o necessário pragmatismo, validarmos uma convenção que foi, objectivamente, um momento da campanha eleitoral.
De facto, não seria esta a convenção para discutir o Bloco!

6. Dos resultados pensamos que também se devem
- em parte, a uma conjuntura desfavorável e à percepção de muitos eleitores de que o voto no Bloco seria um voto inútil,
- noutra parte deveu-se a erros próprios e opções questionáveis, como foi o caso da ‘não reunião’ com a troika ou do apagamento de muitas propostas que o Bloco defendera no passado,
- mas também à incapacidade tida em resgatar a confiança que muitos nos deram, que perdemos nestes dois anos e, com maior gravidade, desde as eleições presidenciais.

7. Temos tempo agora para discutir aberta e frontalmente e devemos fazê-lo;
É até nossa obrigação dizer que:
· Lamentamos não ouvir nunca a assunção pública de um eventual erro, bem como a falta de humildade política manifestada por dirigentes do Bloco - Teria sido assim tão difícil admitir devolver a definição de caminhos e políticas aos aderentes após tão pesada derrota?
· Entristecem-nos, sobremaneira, as reacções de dirigentes e as atitudes por parte de alguns de nós em relação às vozes críticas e discordantes, qual expediente de fuga para nada se discutir, encontrando desde logo 'bodes expiatórios' e ‘quem não é por nós...’
· Receamos a inutilidade final de toda esta discussão, quando constatamos que numa reunião da coordenadora distrital se ocupa um tempo imenso a discutir os nomes de quem diverge - qual preparatória acção de 'caça às bruxas' - sem se discutirem as reais causas de se terem tido resultados eleitorais inferiores aos obtidos em 2005;
· Sentimos enorme perplexidade quando lemos uma resolução da Mesa que não expressa algumas das preocupações que foram, inclusivé, apresentadas em reunião prévia da coordenadora distrital, mas sobretudo que condiciona a discussão que se pretende aberta, quando, por exemplo, conclui e fecha eventuais polémicas sobre as presidenciais e a moção de censura;
· Ficamos incomodados quando se justificam resultados com a falta de esclarecimento ou as dificuldades de compreensão dos eleitores, como se, em 2 anos, aqueles que votaram em nós tivessem todos sofrido de uma doença cognitiva;
· Não compreendemos como pode o Bloco dinamizar e participar num debate na Esquerda, livre, alargado e sem sectarismos, quando a discussão interna é tão fortemente condicionada com as intervenções de dirigentes ou com a resolução da Mesa, ou quando é tão sectária a reacção às opiniões discordantes. Tão mais difícil é ouvir os outros quando apenas contam as certezas que temos dentro de nós…
· Lamentamos esta cristalização funcional do Bloco num centralismo dito democrático, onde as estruturas dirigentes intermédias são instrumentos de transmissão vertical de tarefas e quem as integra tem a responsabilidade de instruir e munir os núcleos e as bases com directivas e argumentos de discussão política;
· Sentimos especial desilusão quando sabemos que decisões são tomadas e nomes escolhidos nas estruturas dos partidos fundadores - na pressuposta defesa de equilíbrios tripartidários - antes mesmo de serem discutidos nas estruturas do Bloco, condicionando assim a democracia interna e a representatividade dos aderentes e apoiantes (a maioria?), que nada têm a ver com UDP, PSR ou Política XXI;
· Consideramos ser este o momento para discutir e clarificar - temos o tempo para fazê-lo. É imprescindível que o façamos.
Objectivo prioritário que devemos ter a médio-prazo é inverter esta sangria de apoiantes e resgatar a sua confiança e a confiança dos muitos aderentes que estão zangados com o Bloco, mas para tal é necessária clarificação. Que deverá resultar da discussão aberta a realizar-se dentro e fora do Bloco, com aderentes e apoiantes. Clareza na assunção de convicções, de práticas, de estruturas. Uma clarificação que os partidos devem igualmente assumir: se pretendem que o Bloco continue a ser uma plataforma de coligação UDP/PSR/PolíticaXXI, com a manutenção de um status-quo de equilíbrios que desilude e afasta independentes, ou se o libertam, para que, em efectiva plena-maioridade e sem estar agrilhoado a sectarismos e tacticismos politico-partidários, o Bloco de Esquerda realize uma plural convergência de gentes de Esquerda, de todas as Esquerdas.

Santiago do Cacém, Junho de 2011

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