Mudar de rumo ou aprofundar os erros? (Elementos para um Balanço das Legislativas de 05 de Junho de 2011)

Contributo para a discussão sobre situação política - (Mesa Nacional do BE, de 18 de Junho)

As eleições de dia 5 resultaram numa previsível vitória da direita tradicional e numa também previsível derrota de José Sócrates. Resultaram ainda numa derrota histórica do Bloco de Esquerda, previsível apesar da sua dimensão. Os motivos e o tamanho deste recuo motivam um debate sério sobre o rumo estratégico do Bloco.

A vitória do PSD, que com o CDS-PP formará um governo sustentado por uma maioria absoluta, tranquiliza a Troika e a burguesia, que temiam que não surgisse uma maioria que capitaneasse a guerra de austeridade que declararam ao povo português. Ainda assim não temos uma vitória brutal da direita, como nos tempos de Cavaco ou de Durão. O PSD, relativamente a 2009, troca praticamente de votação com o PS, tendo sido transferidos cerca de 500 mil votos de um partido para o outro. Mesmo o CDS não obtém a grande vitória que pretendia. A vitória da direita não é uma vitória tremenda, nem significa uma adesão massiva ao programa neoliberal – tanto que Passos jurou querer manter o Estado Social e Portas disse-se à esquerda deste. Os votos na direita, foram, antes de mais, o meio mais eficaz encontrado pelos eleitores para derrotar Sócrates.

O PS perde 25% dos seus votos de 2009. E perde um milhão de eleitores relativamente a 2005, pagando a factura de 6 anos de austeridade, que culminam com a aplicação dos sucessivos PECs e da convocação do FMI. Este sector do eleitorado que se divorcia do PS iria naturalmente procurar uma alternativa política que lhe garantisse o fim do reinado de Sócrates.

O país virou à direita ou a esquerda preparou a sua derrota?

À esquerda, a CDU mantém o seu eleitorado, até com algumas perdas de votos, mas consegue eleger mais um deputado, descobrindo motivos para cantar vitória. É o Bloco que tem a maior derrota destas eleições. Perde praticamente metade do seu eleitorado e do seu grupo parlamentar, com um decrescimento homogéneo nas principais cidades do país. Para relativizar a derrota tem-se dito que se trata de um retorno a 2005, porém o Bloco tem menos 76 mil votos que nessa data e inclusive o seu grupo parlamentar não esteve longe de ter sido ainda mais reduzido. Uma queda desta dimensão não deve ser relativizada mas compreendida.

A vitória da direita, a derrota do PS e a queda abrupta do Bloco estão relacionadas. Só uma movimentação profunda no país pode explicar esta mudança. Uma visão superficial facilmente encontra resposta: o país virou à direita! Vários camaradas têm explicado que a crise e a intervenção do FMI geraram um clima de medo que prejudicou a esquerda. O problema é que não conseguem explicar que, num país que vira à direita, haja as maiores lutas das últimas décadas, desde as manifestações multitudinárias da CGTP, à Greve Geral e, sobretudo, ao 12 de Março. A teoria da “viragem à direita” tem apenas uma vantagem: fazer crer que a derrota não se deve a erros da esquerda, mas a uma mudança no país que lhe é externa.

Mais que uma viragem a direita, o que tem norteado os trabalhadores e sectores populares é a determinação em derrotar Sócrates. É isso que observamos desde que este começou a governar abertamente contra os trabalhadores. As manifestações de professores e de enfermeiros, as greves dos transportes ou da função pública, as lutas contra os encerramentos de centros de saúde ou contra as portagens foram dando voz a essa resistência. As manifestações da CGTP e a Greve Geral foram as expressões unificadas desse sentimento. O 12 de Março foi o seu auge, uma grande revolta contra as políticas de austeridade cujo rosto era Sócrates. Também nas eleições essa resistência se sentiu. Em 2009 o PS foi derrotado nas europeias e autárquicas e perdeu a maioria absoluta nas legislativas. Já antes, nas presidenciais de 2006, o candidato de Sócrates fica em terceiro e Alegre, que corre por fora, capitaliza, já aí, 1 milhão de votos. O mesmo Alegre, e o Bloco por tabela, pagou em 2011 o preço de ser o candidato de Sócrates

Este divórcio da população com Sócrates significa a perda de 1 milhão de votos do PS de 2005 a 2011. O Bloco detectou este fenómeno e foi em convergir com esse sector que apostou, vendo-o como a base social de uma Esquerda Grande. A aposta era interessante, mas a abordagem escolhida foi errada e, por fim, derrotada no dia 5 de Junho. Na verdade, nunca se disse com quem seria essa Esquerda Grande. Seria o BE sozinho em progresso constante rumo a uns 30% do eleitorado? Seria em unidade com o PS? Com o PCP? Nunca nada se clarificou. Se um dia a unidade era com o PS, na CML e nas presidenciais, noutro dia, simulava-se que seria com o PCP, na famosa reunião com Jerónimo de Sousa. O que ficou de tudo isto? Uma incoerência total e um facto objectivo: a única unidade feita foi com o PS. Pelo meio, houve também um “preconceito de esquerda” face aos escândalos que rodearam José Sócrates, nomeadamente o caso das escutas do “Face Oculta”. O BE, cujo deputado João Semedo era o relator da Comissão de Inquérito destinada a este caso, poderia ter acedido às escutas e terminado – ou abalado seriamente – a governação de Sócrates. Ao defender que esse caso era do âmbito da justiça, e não da política (!), o BE poupou mais uma vez o Governo. Recorde-se que durante todo este período o BE nunca pediu a demissão do primeiro-ministro na sequência de todos estes ‘casos’.

Mas a questão de fundo é que, desde 2009, que o Bloco não apostou em ser a principal ferramenta para a construção de uma esquerda que corresse com Sócrates e o substituísse. Em 2009, na VI Convenção, o Bloco propôs-se a “retirar a maioria absoluta” ao PS, ou seja, propôs um Governo do PS em minoria. De seguida, começa a preparar uma candidatura para a Presidência da República lado-a-lado com Sócrates. Em Janeiro, quando o ódio a Sócrates estava já maduro, viu-se o resultado dessa opção.

O camarada Pedro Filipe Soares, reconhece, nos últimos dias, que o apoio a Alegre esteve ligado à actual derrota (http://esquerda.net/opiniao/criar-ra%C3%ADzes ). Porém culpa Alegre e a sua “reaproximação a Sócrates”, esquecendo-se que essa reaproximação vinha desde quando o poeta pedira, no famoso comício de Coimbra, em vésperas das eleições, a maioria absoluta para o PS, em 2009. A culpa foi do BE, que abdicou de alianças à esquerda do Governo e que não teve pudor em estar ao lado de Sócrates nas eleições presidenciais. A tentativa consecutiva de imputar as culpas a terceiros, mostra apenas a incapacidade em ser auto-crítico.

Não se pode dizer que ninguém tenha avisado desta situação quando na VI Convenção do BE (2009) criticamos a estratégia de pretender somente retirar a maioria absoluta a Sócrates em vez de, logo aí, se começar a construir um pólo à esquerda - com o PCP, sectores do PS em crise com a sua direcção e independentes - que pudesse derrotar o governo de então. Posteriormente, alertámos de novo e tentámos corrigir o erro, solicitando uma Convenção Extraordinária, para se mudar de orientação, reafirmando a necessidade de retirar o apoio a Alegre e alertando que a sua manutenção acarretaria a localização do BE objectivamente ao lado do governo, com todas as consequências que daí adviriam. Tal como veio a acontecer.

Os episódios da reunião com a Troika e da Moção de Censura - os verdadeiros ziguezagues - foram “mal geridos”. Serviram para tentar cobrir de radicalismo a recta final de um percurso em que o BE não se propôs a derrubar Sócrates. Como foram em contramão total da estratégia alegrista, não foram convincentes. Mas não chegam para explicar a derrota nas legislativas.

A conclusão não pode ser outra, de que a negativa do Bloco em se propor como a principal ferramenta para o derrube de Sócrates, construiu durante anos, esta derrota. Para ser essa ferramenta, o Bloco não poderia fazer alianças que abarcassem o governo, como nas Presidenciais, e deveria ter apostado em construir um pólo à esquerda, que teria de passar por uma apelo ao PCP, que se propusesse a ir a votos para derrubar o PS e a direita. Só uma aliança entre BE e PCP daria aqueles que poderiam apoiar a esquerda grande – “os socialistas descontentes” - uma ferramenta que lhes permitisse derrotar Sócrates sem ter de votar à direita.

O sectarismo do BE e do PCP foi castigado nestas eleições. Para muitos eleitores esta esquerda deixou de contar. É caso para dizer: o sectarismo acaba mal. Porque caiu então o BE bem mais do que o PCP? O apoio a Alegre é a principal resposta mas não a única. Durante anos a direcção do BE negou-se a ter uma política para o activismo quotidiano nas empresas e nos bairros. Pelo contrário, virou todo o partido para o parlamento, afastando-se das pessoas. O PCP, pela sua história e pelo seu enraizamento social, paga lentamente a factura dos seus erros, enquanto o Bloco perde muito mais rapidamente a confiança das suas bases. A sensibilidade a que pertencemos sempre apontou esta crítica à actual direcção, as autárquicas de 2009 foram o aviso, estas legislativas a confirmação.

Por um debate sério e democrático, nova Convenção é precisa!

O debate esgrimido até agora tem sido parcial. Os vários dirigentes e ex-dirigentes que têm vindo a público, só se diferenciam num aspecto: há os que defendem a inexistência de erros no percurso do BE e outros, que como Daniel Oliveira, que acham que o BE deveria ter estado ainda mais próximo do PS.

Os textos que circulam traçam todos a mesma linha recta, anunciando um “debate interno” e logo as suas conclusões, não vá o debate tecê-las! A política que a direcção levou à recente Convenção, tal como denunciámos então, trazia no bojo a repetição da estratégia das presidenciais, em vista de uma futura governação. Jorge Costa deixa antever isso no seu texto (http://esquerda.net/opiniao/linha-%C3%A9-recta), ao relembrar que em Convenção foi decidido manter a “cultura unitária de diálogo” que esteve por trás do apoio a Alegre. Mas o camarada adverte: isto sem “ilusões num “outro PS” que não existe”. De facto, também nas presidenciais estivemos não ao lado de “outro PS”, mas do PS neoliberal de Sócrates. Mudada a liderança do PS, permanecerão iguais tanto o PS como a estratégia do BE.

Mais graves são as declarações de Fernando Rosas em nome da Comissão Política. Além de, previamente à Mesa Nacional, a Comissão Política declarar a inexistência de Convenção e negar a assunção de quaisquer erros, Rosas anuncia o único elemento de balanço que servirá para o futuro. Diz o camarada que uma aliança à esquerda ficou “inviabilizada pelo PS que alinhou na negociação com a troika”. Ou seja, não foram o PCP e o BE, que escolheram ir cada um “na sua bicicleta” os culpados pela derrota da esquerda, mas o PS que não se quis aliar ao BE. Esta consideração demonstra três coisas simples. Uma, que a “cultura unitária de diálogo” que a direcção do BE defendia chegava até à possibilidade de governar ao lado do partido dos PEC’s, o problema foi só a Troika. Outra, que o horizonte da Comissão Política para próximas legislativas inclui um Governo conjunto do BE e do PS. Por fim, que toda a guerra truculenta que a Comissão Política tem movido aos seus críticos mais moderados – como Rui Tavares ou Daniel Oliveira - é inócua, dado que no essencial estão de acordo.

Quem pode não estar de acordo – tanto com o balanço superficial das eleições como com a insistência no caminho que nos trouxe aqui – são os bloquistas. A Comissão Política anunciou que será feito um debate interno, sem Convenção, “como sempre”. Os bloquistas sabem bem que o hábito de “sempre” desta Comissão Política é o de não fazer debates sérios, sobretudo após as derrotas. Assim o foi com as Autárquicas e com as Presidenciais. Por isso propomos uma nova Convenção extraordinária ou, em alternativa, a antecipação da Convenção ordinária, o mais tardar no primeiro trimestre de 2012. Uma Convenção que não se limite a ser um comício para a TV e que faça balanço destas eleições é essencial para rearmar politicamente o BE.

Por fim, o Bloco deve aproveitar o momento e fazer das fraquezas forças novas. Por isso deve dar passos no sentido de uma nova política de alianças, norteada pela resistência – no parlamento e nas ruas – à política da troika. Para isso deve preparar um Congresso das Esquerdas, para o qual convide activistas, sindicalistas e independentes que se opõem ao plano da Troika, tal como os partidos que partilham desta agenda, como o PCP. Este Congresso prepararia uma plataforma de combate a este novo Governo e lançaria as bases para um Governo de Esquerda que o substituísse. Esta é a única política de alianças que não retoma os erros que ditaram a derrota eleitoral.

11/06/2011

Assinam, os membros da Mesa Nacional:
Gil Garcia (Amadora),
João Pascoal (Lisboa),
Cristina Portella (Lisboa),
André Pestana (Oeiras),
Marta Luz (Lisboa),
Tiago Castelhano (Amadora),
Manuel Afonso (Coimbra),
Joana Machado (Braga),
João Lima (Olhão),
Gabriela Mota Vieira (Açores)

O membro da Comissão de Direitos:
Eduardo Henriques (Almada).

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